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Grupo Grutta tirou dramaturgia de Guarnieri da censura

A série Teatro 061 mostra como o coletivo brasiliense montou, em 1978, a proibida “Eles Não Usam Black-tie” e fez barulho no eixo Rio-SP

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Fundada em 1966, o mesmo ano em que a Sala Martins Penna abriu as portas, a Cia. Grutta de Teatro tirou, em 1978, a histórica peça “Eles Não Usam Black-tie” da censura e levou o teatro de Brasília a circular, pela primeira vez, no projeto Mambembão, do Serviço Nacional de Teatro (SNT), hoje absorvido pela Funarte. Foi um acontecimento cultural que movimentou a cidade e fez barulho no eixo Rio-São Paulo.

Desde as experiências pontuais e heroicas de Sylvia Orthof na década de 1960 (no Rio, em Ouro Preto/MG e em Nancy/França, com “Cristo Versus Bomba” e “Morte e Vida Severina”), o teatro candango não ganhava repercussão fora de suas fronteiras.

A Cia. de Teatro Grutta (1966-1986) nasceu de forma discreta e seguiu, por exatas duas décadas, conduzindo o fazer teatral da cidade da fase amadora à profissional. Mola-mestra do grupo, o produtor Bené Setenta (Manuel Benevides Filho) foi um dos protagonistas dessa transformação. Ao seu lado, orbitava um núcleo de artistas-intelectuais, como Murilo Eckhardt, Chico Expedito e o paraibano Edson Guedes de Morais. Este último, editor, contista, poeta, crítico, cronista e dramaturgo.

Havia uma preocupação em aliar um conceito estético da montagem às posturas políticas do grupo. Quebravam-se as fronteiras geográficas entre os coletivos. Chico Expedito era do Kartharsis e Murilo Eckhardt, da Aliança Francesa. Havia a pretensão de combater um teatro tradicional que se agigantava no Plano Piloto (próximo ao poder) versus um experimental nas cidades do DF. O clima de cooperação entre os artistas era, antes de tudo, político.

No Grutta, era forte o desejo de montar textos próprios e modernos. “As Coisas, Assim Como São, Assim São” e “Monstro Besta Fera” tiveram dramaturgia assinada por Edson Guedes de Morais. Uma das primeiras versões para o hoje supermontado texto de Sylvia Orthof, “A Gema do Ovo da Ema”, foi da Grutta.

Nenhuma montagem, no entanto, foi tão avassaladora como “Eles Não Usam Black-Tie”, que estreou no Teatro Galpão (hoje, o Espaço Cultural Renato Russo, na 508 Sul). Havia ali um trabalho ideológico de formação de plateia. Com o apoio de Bené Setenta, Edson Guedes de Morais mobilizava operários, comerciários, estudantes, empregadas domésticas, vigias e zeladores de blocos e superquadras.

Além da distribuição de ingressos pelas regiões administrativas, tenho ido, pessoalmente, às obras, aos sindicatos, às escolas, aos cursos do Mobral (alfabetização de adultos), para falar sobre a peça, convidar e oferecer gratuitamente os ingressos

Edson Guedes de Morais

A plateia era contagiante e as sessões, lotadas. Em cena, havia um coro que comentava o espetáculo e gerava risos e reflexões críticas. O grupo de percussão Rola da Bahia trazia os sons da periferia ao palco da tão burguesa Brasília. O diretor Chico Expedito optou em teatralizar a greve, que, na montagem histórica do Teatro de Arena, de 1958, era narrada. Em cena, uma geração de ouro: Gê Martú, Décio Caldeira, Marisa Carvalho e Graça Velloso.

O autor e ator Gianfrancesco Guarnieri veio assistir à montagem. Há uma divergência sobre a sua opinião. Na época, Edson Guedes de Morais alardeou na imprensa que o criador “gostou e elogiou a produção, a direção, a interpretação do elenco, sobretudo, de Décio Caldeira no papel de Tião, que o próprio Guarnieri representou havia 20 anos”.

 

Divulgação
No filme de Leon Hirszman (1981), a greve virou personagem

 

Em entrevista à pesquisadora Elizangela Carrijo, em 2005, Gê Martú revelou o contrário, que Guarnieri achou panfletária a montagem (desejo confesso de Chico Expedito). Mas, tempos depois, em 1981, adaptou a obra de forma similar no filme homônimo de Leon Hirszman.

Com todo respeito, “Black-tie” foi um dos melhores trabalhos que eu já fiz, o danado foi bom mesmo! Guarnieri falou da gente e fez igual (no filme), mostrando que fala aqui, aqui se paga!

Gê Martú

As contradições só mostram o quão foi rica a experiência do Grutta, que evoluiu do exercício amador dos anos 1960 para a intensa experimentação dos anos 1970, chegando à fase de profissionalização na década seguinte.

Na próxima coluna da série Teatro 061 vamos falar sobre as primeiras dramaturgias do teatro brasiliense.

FONTES:

Acervo do Correio Braziliense
“(A)bordar Memórias, Tecer Histórias: Fazeres Teatrais em Brasília 1970-1990”, dissertação de mestrado de Elizângela Carrijo
“A Paixão de Honestino”, de Betty Almeida
“Histórias do Teatro Brasiliense”, de Fernando Pinheiro Villar e Eliezer Faleiros de Carvalho
“Panorama do Teatro Brasiliense em 1968”, artigo de Carlos Mateus de Costa Castello Branco, publicado na revista “Intercâmbio”
“A Cidade Teatralizada”, de Celso Araújo
“Educação Pela Arte: o Caso Brasília”, de Maria Duarte de Souza
“Canteiro de Obras”, Notas Sobre o Teatro de Brasília, de Glauber Coradesqui

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