Entidade dualista, Exu inspira arte em tempo de intolerância religiosa
A cultura reforça o caráter religioso do mito central da Umbanda e do Candomblé: dança e música revigoram a entidade
atualizado
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Exu, uma das entidades mais respeitadas da Umbanda e um orixá primordial no Candomblé, inspira a arte em dois trabalhos de impacto que circulam o país. “Gira”, do Grupo Corpo” e “Esú”, primeiro disco do rapper baiano Baco Exu do Blues. Em comum, as matrizes de religião africana movimentaram os artistas em criações que ultrapassam os limites do sagrado para tocar no âmbito da arte.
Debruçar-se sobre a figura mítica de Exu, por meio da arte, é uma atitude política em tempos de intolerância religiosa. Falar de Exu, uma mito central na Umbanda e no Candomblé, com energias próximas ao homem, do embate entre a luz e a sombra, é urgente. Algumas religiões de matriz cristã conservadora insuflam o estereótipo que associa perversamente a divindade à imagem demoníaca.Essa pulsão motivou a maior e mais importante companhia de dança contemporânea do país, o Grupo Corpo. Os coreógrafos pesquisaram as giras de Exu para criar um espetáculo cuja base fortaleceu-se nos terreiros de Umbanda. Assim, os criadores foram a campo, assistiram às danças e conversaram com as entidades da Umbanda (no Candomblé, Exu é a manifestação de uma energia suprema da natureza)
Não houve uma intenção de formar um terreiro no palco. Mas de homenageá-lo
Rodrigo Pederneiras
Em cena, bailarinos do Grupo Corpo transmutam movimentos e energias observadas em coreografia que ultrapassa os riscos de uma representação. Há a captação do Exu e a tradução na linguagem artística do movimento. Na concepção, impressiona o entendimento conceitual da entidade. Os bailarinos, quando não estão em cena, permanecem sentados com um véu preto no rosto, marcados por pinos de luz. Ao dançar, em cenário nu e negro, descobrem-se e movimentam-se sob fachos luminosos. A companhia está em itinerância e deve chegar a Brasília ano que vem.
O disco do ano
Com uma capa do álbum impactante, que faz uma alusão aos mitos Jesus e Esú, o rapper baiano Baco Exu do Blues acaba de lançar o esperadíssimo primeiro álbum. É uma ode ao sincretismo que sustenta um dos pilares culturais da Bahia.
Exu é a base de toda a inspiração, a espinha dorsal da obra, que Baco Exu do Blues, um rapper genial de 21 anos, discute a relação entre o homem e a divindade, a fraqueza e a supremacia, o poder e a submissão, a liberdade e a escravidão. Há muitas pontes no disco do cantor que traz em si o nome de dois deuses, Baco (grego) e Exu (africano).
https://www.youtube.com/watch?v=YPT-zSH9mek
Sinto que o mundo tem medo de mim/ Metade homem, metade Deus e os dois sentem medo de mim
Baco Exu do Blues na faixa Esú
O autor permeia a obra na ideia de Exu ser uma entidade que abre caminhos para evolução do homem, um deus-homem, de luz e de sombra, de caos e de apontamentos.
https://www.youtube.com/watch?v=lz5k1kxjfoA
Na faixa “Abre Caminhos”, o rapper traduz a toda energia de Exu ao fundo e faz uma antropofágica canção, capaz de misturar temas como religiosidade, preconceito e autoestima, com sons como o do manguebeat e das cantigas de louvação da Umbanda.
Enquanto tiver vivo será pretos no topo
Fiz poetas no topo mais sou poeta com copo
Meninas brancas guardavam celulares quando
Me viam
Hoje tiram celulares para guarda uma foto
Tipo Tim Maia, preto clássico embaçado Racional
Eles querem ser James Bond
Eu não morro antes de ser grande igual James Brown
Como Exu, a entidade, o rapper segue com mensagens de forte consciência. Difícil sair indiferente depois de ficar diante de seu som:
Meus ancestrais todos foram vendidos. Deve ser por isso que meu som vende. Escravizaram meu povo por dinheiro. Quero dinheiro pra não ser escravo. A lei áurea é todo verso que eu escrevo. Rótulos me dão medo. Mestre de cerimônia não. Sou mestre-cervejeiro. Amigo ou inimigo. Qual dos dois me mata primeiro?