Dimer Monteiro, o guerreiro que pôs o teatro na ponta da lança
Série Teatro 061 destaca a influência do professor, curador, diretor, ator e espectador, um dos destaques da cena teatral brasiliense
atualizado
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Dimer Monteiro (1950-2016) foi um criador das primeiras horas do teatro candango. Foi egresso do Centro Integrado de Ensino Médio (CIEM), escola modelo vinculada à Universidade de Brasília. Estava, portanto, ao lado de Laís Aderne e Sylvia Orthof nesses primeiros tempos. Testemunhou esse sonho ser destruído pelo golpe militar.
De aluno a professor, Dimer escreveu uma narrativa fundamental para a formação de uma primeira geração de atores brasilienses, como professor de teatro no Pré-Universitário, colégio de vanguarda fundado em 1967. Ali, ensinava fundamentos das artes cênicas e montava um espetáculo ao fim do semestre.
“Estava lá com 15 ou 16 anos. A turma do Dimer era disciplina optativa muito disputada. Ele tinha uma proposta para criar um texto coletivo a partir de pesquisa de cada um. Fizemos a peça “Os Primitivos”, que foi a minha primeira experiência diante de uma plateia. Dimer foi a pessoa que me mostrou esse mundo de teatro”, lembra-se a atriz Dina Brandão.
O papel como mestre foi uma das vertentes de Dimer Monteiro. Tinha a vocação de pedagogo. Quando deu aulas na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes era um dos mais adorados. Nos anos 1990, em razão de enfretamentos com a direção da instituição, sob o comando da família Cabral, foi, sumariamente, demitido. Indignados, os alunos cercaram a administração e exigiram a sua volta. Foi uma demonstração de amor sem fim a um professor que não hesitava em apontar caminhos.
Aos companheiros em início de carreira, ele sempre aproveitava para pôr rotas de aprendizados diante desse intérprete. Foi assim com Chico Sant´Anna, em começo de trajetória.
“Ele me dizia: Chico, leia muito. Estude muito. Observe tudo ao seu redor. Assista a todas as peças de teatro que você puder. Quando assistir a um grande espetáculo, absorva tudo. Quando assistir a um espetáculo ruim, aprenda a nunca fazer algo semelhante. Não tenha medo do ridículo. Experimente. Crie”, destaca Chico Sant´Anna.
Dimer foi se tornando completo, político e complexo como deve ser um homem de teatro. Não à toa, tornou-se curador do Cena Contemporânea, montando a grade de espetáculos nacionais e internacionais. Guilherme Reis, hoje secretário de Cultura do GDF e criador do festival, foi um dos seus alunos no Pré-Universitário.
Na década de 1970, Dimer Monteiro despontou como um artista múltiplo e fundamental no exercício para se buscar uma identidade para o teatro feito na nova capital. Em sua carreira intensa, pode-se destacar:
1) Como um coringa, circulou pelos principais grupos que fizeram a transição de uma cena amadora para profissional.
2) Acolheu Hugo Rodas, que chegou, em 1975, para dar um curso de teatro-dança e permaneceu na cidade, posteriormente, formando o Grupo Pitú.
3) Esteve na experimentação de um teatro físico, com laboratórios para atores inspirados em Grotowski, na montagem de “O Exercício”, com Iara Petricovsky e João Antônio no elenco.
4) Buscou um teatro que discutia a homossexualidade como narrativa (ele se assumiu gay aos 27 anos) com as peças “Espelhos”, ao lado de Murilo Eckhardt, em 1976, e “Os Rapazes da Banda”, sucesso de público no começo dos anos 1980.
5) Bebeu em influências estrangeiras como o aprendizado com a bailarina Delphi Vasnof, que, casada com um embaixador americano, formou um grupo de dança, Mientras, que fez uma histórica celebração de balé dentro da Catedral.
6) Participou das montagens estratégicas que formaram plateia dos anos 1970, como “O Homem que Enganou o Diabo e Ainda Pediu Troco”
Defensor de causas sociais, ele mesmo ousou a se anunciar portador do HIV, numa época onde o preconceito mostrou a pior face.
No primeiro encontro em sala de aula, Dimer falou sobre a sua condição de saúde. Achei-o bastante corajoso, pois naqueles idos de 1997, falar de HIV era proibido. Depois ficamos bem próximos
Alex Bernardo, ator
Caminhou em favor da legalização da maconha e denunciou o sensacionalismo da imprensa brasiliense ao reduzir a memória do namorado, o ator Décio Caldeiras, ao primeiro caso de morte por Aids em Brasília, em 1984. A imprensa noticiou que a “doença gay” tinha chegado a Brasília.
Era namorado de Décio, estava na Bahia e voltei às pressas. Fiquei chocado com a falta de respeito da imprensa. Desrespeitaram a nossa privacidade e a nossa sexualidade
Dimer Monteiro
Dimer Monteiro não tinha grupo e passeava pelas fronteiras. Era um contumaz espectador. Via tudo com olhos generosos de contribuição e crítica construtiva. Aconselhava os amigos. Em começo de carreira como diretor, ele me puxou no canto e disse:
Você tem um frescor nos olhos e a mão doce como diretor. Vejo isso na cena. Siga sem achar que você é o tal. Curve-se ao ator
Dimer Monteiro
Nos últimos anos, tinha ganhado as graças dos cineastas. Com Adriana de Andrade, fez “Dona Custódia”, que lhe rendeu prêmios em diversos festivais. Sabia viver. Trocava aulas de inglês por meditação ou ioga. Andava com gente de todas as idades. Fumava seu baseado de maconha, viajava o mundo, curtia a natureza, orava para seus guias e sempre estava presente no teatro.
Fontes:
Acervo do Correio Braziliense
“(A)bordar Memórias, Tecer Histórias: Fazeres Teatrais em Brasília 1970-1990”, dissertação de mestrado de Elizângela Carrijo
“Dramaturgia Brasiliense nos anos 1960 e 1970: Questões Sobre Teatro e Política”, tese de Carlos Mateus de Costa Castello Branco
“A Paixão de Honestino”, de Betty Almeida
“Histórias do Teatro Brasiliense”, de Fernando Pinheiro Villar e Eliezer Faleiros de Carvalho
“Panorama do Teatro Brasiliense em 1968”, artigo de Carlos Mateus de Costa Castello Branco, publicado na revista “Intercâmbio”
“O Sonho Candango: Memória Afetiva dos anos 80″, de Alexandre Ribondi, Cláudia Pereira e Romário Schettino”
“A Cidade Teatralizada”, de Celso Araújo
“Educação Pela Arte: o Caso Brasília”, de Maria Duarte de Souza
“Canteiro de Obras”, Notas Sobre o Teatro de Brasília, de Glauber Coradesqui