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De salto alto, bailarino cutuca o preconceito em Taguatinga

Lehandro Lira faz poses e carões na Praça do Relógio, arrastando risos, espantos, admirações e frases preconceituosas

atualizado

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Sérgio Maggio/Metrópoles
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1 de 1 foto-3 – Copia - Foto: Sérgio Maggio/Metrópoles

Lehandro Lira tira da mochila um salto 15 azul-marinho, livra-se dos sapatos masculinos e põe um terno alinhado no mesmo tom do calçado feminino. Com habilidade, sobe elegantemente os degraus da estação do Metrô da Praça do Relógio. Por ali, a vida segue a aparente rotina até o bailarino despontar, como um sol, na paisagem. À medida que as pessoas percebem o detalhe que ele carrega no figurino, elas se ouriçam.

Lehandro avança, para, congela, faz carão, pose e esfacela em pedaços o cotidiano. No rastro de suas pisadas, alinham-se risos, olhares admirados, expressões de espanto e frases soltas, muitas preconceituosas.

Arrasa, mona. Tá linda

Carregada de tom pejorativo, a observação sai da boca de uma garota, que divide o banco da praça com três rapazes que se divertem “com o veado de salto” (a frase é sussurrada por um deles).

foto-4 - Copia

Lehandro mantém-se altivo. Faz parte de sua performance a provocação. Sentado do banco ao lado do quarteto algoz, ele reveza poses masculinas com femininas. Um senhor se anima e pede para ser fotografado ao lado do performer.

Um dos meninos grita:

Arranjou um boy

A garota repete:

Arrasa, mona. Tá linda

Numa fração de segundos, três motos da Polícia invadem a Praça do Relógio. Armados, os policias cercam o quarteto que se divertia com o inusitado trazido por Lehandro. Inesperadamente, são submetidos a uma revista. De opressores, viram oprimidos.

Que coisa impressionante. Eles estavam rindo de mim e agora estão nessa situação delicada. Nem sei traduzir em palavras essa cena

Lehandro Lira

Rei do Milho
Lehandro Lira cresceu ouvindo essas piadinhas. Desde menino, sofria cerceamento psicológico dos colegas porque dançava balé e trazia uma feminilidade à flor da pele. Quando ganhou o concurso de Rei do Milho, em Pernambuco, ouvia o coro gritar de “é frango” (gíria para gay) enquanto comemorava a vitória.

Era uma criança. Tinha apenas 9 anos. Mas, ao mesmo tempo, havia uma força que me empurrava: a minha mãe, que me incentivava a dançar

Lehandro Lira

A performance de Lehandro em Taguatinga é uma resposta a essas violências diárias. Ele quer despertar um outro olhar para o homem bailarino, seja gay, seja heterossexual.

Usar o salto é trazer para o presente a imagem de um homem poético, é quebrar estereótipos machistas

Lehandro Lira

Ainda criança, Lehandro parou de dançar com a morte da mãe. Mudou-se de Pernambuco para Planaltina e ficou sem exercitar o que seu corpo desejava. Dos 12 aos 16 anos, fez capoeira. Um dia, soube que uma igreja evangélica oferecia curso gratuito de dança. Correu para o templo. Tinha fé na dança, a arte que sempre o salvou das agruras cotidianas.

Sérgio Maggio/Metrópoles

Fui lá para aprender a dança gospel, com técnicas de balé, voltada para a adoração a Deus. Fiquei um período longo, nove anos, e dancei até com o grupo Trono de Deus/olho]

O rompimento teve a ver com o preconceito. Crítico, Lehandro começou a questionar os dogmas. Tinha conflitos de sexualidade. O estopim veio em forma de embate com um pastor.

[olho author="Lehandro Lira"]Um dia, ele disse que não queria nenhum veado dançando no altar. Aí, eu reagi. Quer dizer que pedir dinheiro ao povo o senhor pode?

Lehandro Lira

A saída da igreja não anulou a experiência de dança que Lehandro adquiriu. Depois que voltou a usar as sapatilhas, os caminhos se abriram. Hoje, cursa licenciatura em dança do Instituto Federal do Brasil (IFB), integra o grupo Balé Flor do Cerrado, com o qual acaba de se apresentar na Casa Brasil (espaço cultural da programação das Olimpíadas), e coordena a Cia. Transições (com base em Planaltina), que reúne 12 integrantes de diversas cidades do DF.

Só eu sei o que passei para chegar agora aqui respirando a dança

Lehandro Lira

Estiletto de Beyoncé
Lehandro ama stiletto (dança sobre salto) e se inspira na musa Beyoncé. Há coreografias suas sobre saltos em espetáculo da Cia. Transições. O grupo, aliás, luta para poder se apresentar, com dignidade, num palco de teatro em Planaltina, mais uma cidade do DF sem nenhum equipamento cultural público. Agraciada pelo Fundo de Apoio à Cultura (FAC), a companhia tem espetáculo novo “As Faces de Um Povo Centenário”, que se inspira na história da cidade.

Faremos em frente do Museu de Planaltina.  Estamos com esperança porque a obra do Centro Cultural de Planaltina prossegue

Lehandro Lira

Em tempo: a ação de Lehandro Lira acaba em Taguatinga e aqueles quatro jovens continuam sendo revistados, em pé e com as mãos sobre a cabeça. Ele olha e segue em silêncio. Não há motivos para rir.

 

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