De Cacilda Becker às vedetes: quem espantou o tédio da nova capital
A série Teatro 061 mostra que, nos anos 1960, as peças visitantes permaneciam um único dia em cartaz
atualizado
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Brasília surgiu sem teatros. O maior deles, o Nacional, estava longe de ficar pronto. Os artistas ocupavam auditórios de escolas, de associações e de autarquias. O Teatro da Novacap e o Cine Teatro Cultura absorviam o pouco do que vinha de fora. Mesmo assim, alguns ilustres visitantes vieram para a cidade em itinerância teatral, salvando àqueles isolados dos grandes espetáculos.
Havia tédio muito profundo para uma juventude criativa que buscava se expressar artisticamente. Ney Pereira (futuro Matogrosso), Murilo Eckhardt e Vicente Pereira (um dos criadores do gênero do besteirol) eram alguns desses futuros criadores salvos graças às poucas iniciativas teatrais que surgiam na cidade, como o teatro de Sylvia Orthof e Laís Aderne, que aglutinavam os jovens.“A gente inventava festas, bailes, qualquer coisa, para se livrar do tédio. Brasília não tinha nada.”
Murilo Eckhardt
As atrações que chegavam à cidade eram raras, mas criavam a possibilidade de algum intercâmbio. Em 21 de abril de 1961, primeiro aniversário da capital, Cacilda Becker e Walmor Chagas apresentaram “Em Moeda Corrente”, espetáculo de Abílio Pereira de Almeida, em meio a ruídos externos da construção do Teatro Nacional. Estudantes e operários encheram o espaço para ver àquela que era a principal atriz dos palcos na época. Faltou luz no meio da peça e a narrativa seguiu à luz de velas.
Neste ano, o combativo Teatro de Arena chegou com três espetáculos: “Eles Não Usam Black-tie”, “Chapetuba Futebol Clube” e “Pintado de Alegre”, no Teatro da Novacap. Movimentou ainda a cena o maior nome do teatro francês, Jean Louis Barrout, com sarau e peça “Les Fausesses Confidences”. O Teatro Nacional de Comédia de Manaus trouxe três montagens. Uma delas, “Boca de Ouro”, de Nelson Rodrigues.
Não havia expectativas de uma cena cultural forte. Tudo estava sendo construído. O marasmo cultural quebrava-se vez por outra. Numa delas, com a vinda do teatro rebolado de Walter Pinto, que, em 1963, trouxe “Xique-Xique no Pixoxó”, encenada na Escola Parque da 308 Sul.
Cercado de exuberantes vedetes, estava Oscarito, embalado por canções de Ary Barroso. A revista era um sucesso no Teatro Recreio, do Rio, mas aqui esbarrou-se no mau humor das famílias.
Deliciosamente picante, a peça chocou a fina flor da sociedade candanga e fez a festa dos que oravam pelo fim da caretice. Teve até bate-boca de autoridades. Diante das reclamações, a Prefeitura do DF tirou o corpo fora e atribuiu a vinda das vedetes ao Serviço Nacional de Teatro.
Não havia temporadas nessa época. As peças viam para uma única sessão. O que começou a incomodar a imprensa local. Ainda em 1963, a Companhia de Nicette Bruno chegaria com “Oito Mulheres”, montagem que vai selar o destino de Dulcina e Brasília. Maria Clara Machado e O Tablado também apareceram para encenar a premiadíssima “Pluft, O Fantasminha”, na Escola Parque. O maior nome do teatro infantil no país aproveitou para comandar um curso de iniciação teatral.
As poucas peças que se aventuravam na nova sede do poder eram patrocinadas ou pela Prefeitura do DF ou pelo Serviço Nacional de Teatro (SNT). A abertura da Sala Martins Penna, em 1966, aumentou a possibilidade de visitantes. Natália Thimberg trouxe duas montagens: “Meu Querido Mentiroso” e “O Grito e o Vazio”. Paulo Autran e Cleide Yáconis mostraram a elogiada “Édipo Rei”, com direção de Flávio Rangel.
Desde 1964, a ditadura militar já havia cerceado um movimento teatral mais politizado, sobretudo, na UnB, que, de forma combativa, usava o teatro para refletir os sucessivos desmontes e invasões, como ocorreu no I Seminário de Dramaturgia, de 1968, organizado pelo Teatro Universitário de Brasília (TUB). Ali, foi lançado um concurso com o tema “A invasão da UnB e a Universidade de Brasília”. A peça durava entre 5 e 40 minutos. Os cinco primeiros colocados teriam os textos registrados em livro. Quem julgava as cenas era uma comissão organizadora de primeira: Augusto Boal, José Celso Martinez Corrêa e Alberto Daversa.
Essa iniciativa do TUB demonstra o total comprometimento do grupo com o cenário político local. A própria razão de existir do concurso era a discussão, por meio do teatro e da dramaturgia, do que se passava no ambiente ligado diretamente aos estudantes e às violências aos direitos dos que ali conviviam e usufruíam da Universidade, conta Carlos Matheus Castelo Branco
A censura se acirrou cada vez mais e peças como “Oh, Minas Gerais”, da Companhia Teatral Experimental de Belo Horizonte, teve a canção folclórica “Peixe Vivo” proibida de ser executada ao vivo porque a música remetia à memória de Juscelino Kubitschek.
Ainda houve tempo para o espectador assistir aos desempenhos magistrais de Tônia Carrero, Nelson Xavier e Emiliano Queiroz em “A Navalha na Carne”, que levou um público fora do comum, segundo a imprensa local, à Sala Martins Penna. Também de Plínio Marcos, “Quando as Máquinas Param”, com Ginaldo de Souza e Maria Gladys, ajudou a fechar a década marcada pela censura e desmobilização de público.
Fontes:
Acervo do Correio Braziliense
“(A)bordar Memórias, Tecer Histórias: Fazeres Teatrais em Brasília 1970-1990”, dissertação de mestrado de Elizângela Carrijo
“Dramaturgia Brasiliense nos anos 1960 e 1970: Questões Sobre Teatro e Política”, tese de Carlos Mateus de Costa Castello Branco
“A Paixão de Honestino”, de Betty Almeida
“Histórias do Teatro Brasiliense”, de Fernando Pinheiro Villar e Eliezer Faleiros de Carvalho
“Panorama do Teatro Brasiliense em 1968”, artigo de Carlos Mateus de Costa Castello Branco, publicado na revista “Intercâmbio”
“A Cidade Teatralizada”, de Celso Araújo
“Educação Pela Arte: o Caso Brasília”, de Maria Duarte de Souza
“Canteiro de Obras”, Notas Sobre o Teatro de Brasília, de Glauber Coradesqui