Cena Contemporânea é um gigante que merece respeito dos governantes
Festival internacional impacta empregos, turismo e forma plateias. Apesar disso, sofre a cada ano com a instabilidade para sua realização
atualizado
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Costuma-se anunciar o Cena Contemporânea, um dos mais importantes festivais internacionais de teatro do país, como um mosaico de espetáculos bons. Para o público, há mesmo uma garantia de qualidade das montagens que ocupam os palcos do DF. Casas cheias, corre-corre para ver as peças, boca a boca teatral. Todos se transformam em potentes críticos porque, para esse universo de pessoas, Brasília deixa de ser capital das notícias ruins (a política tem sido essa potência degradante) e vira a cidade lúdica que espalha inteligência, metáforas e horizontes por meio da arte.
Essa é apenas a ponta fantástica de termos um festival desse porte numa cidade afetada pela desesperança política. O que está por trás do Cena Contemporânea, no entanto, é a grande força transformadora brasileira: a cultura, alavanca de mudanças educacionais, sociais, econômicas e até políticas. Em tempos de crise, de desemprego crescente, o impacto que esse evento provoca no DF é incalculável.
Não há técnicos de teatro disponíveis na cidade. Montadores e operadores de som, luz e vídeo estão todos contratados. Atores e atrizes, em dezenas, vão participar com seus espetáculos na grade de programação. Outros tantos se transformaram em produtores. Vão acompanhar as equipes, acertam a logística de montagem e desmontagem das peças, pegam elenco e assistentes no aeroporto. No cast, há ainda eletricista, cenotécnicos, iluminadores, visagistas, maquiadores, contrarregras, camareiros, bilheteiros, fotógrafos, cinegrafistas, jornalistas, críticos, arte-educadores, intérpretes de libras, designers gráfico e de som e um sem número de assistentes.
É um mundo de profissionais que trabalham nos bastidores para que a cada dia uma peça diferente estreie com a qualidade esperada. Afinal, o teatro é efêmero. E se todos não derem o melhor de si para a apresentação, tudo pode ir pelo ralo
Há gente que vem de fora acompanhar o Cena. O fluxo é significante. Vem gente das cidades de Goiás e de Minas Gerais. Além disso, o trade turístico é movimentado positivamente porque o festival traz equipes do Brasil e do exterior e elas precisam se hospedar, se locomover, se alimentar. Elas ganham cachês e gastam na cidade. O que o Cena Contemporânea gera em dinheiro para o DF, em tão poucos dias, é alto para uma região cujo governo não tem política significativa para o turismo.
Esse é só o aspecto econômico do festival. Outras vertentes têm ressonância na formação do espectador-cidadão do DF. Forma-se plateia. Ou seja: a cada edição do Cena, gente que não tem costume em ir ao teatro passa a fazê-lo. Isso se reflete no público local de Brasília. Recebe impressões estéticas e políticas transformadoras. Sai do espetáculo instigado a pensar o mundo de outra forma porque o teatro toca em assuntos importantes de forma lúdica.
Um povo que consome teatro tende a ser mais inteligente, político e questionador. A arte nasceu para ser fórum de ideias. Sem elas, está morta. Há ainda um aspecto crucial no Cena Contemporânea. O intercâmbio com os artistas daqui e de fora, que participam das oficinas e trocam técnicas e ofícios. Esses visitantes se misturam aos nossos trabalhadores e surgem possibilidades de parcerias infinitas.
O bastidor fervilhante do Cena Contemporânea é tão poderoso que deveria pôr os governos e os patrocinadores na condição de constantes parceiros. Infelizmente, em tempos em que a cultura virou um “nada” para os que conduzem o país, a instabilidade de festivais como o nosso é sinal de que estamos em momento preocupantes turvos.
Que a força desta edição do Cena Contemporânea nos conduza a dias de sol. Evoé!