Asta Rose Alcaide, a Mulher-Ópera, era um luxo só
Viúva do tenor Tomás Alcaide, a bailarina e produtora era uma das figuras marcantes da cultura do DF
atualizado
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Quando soube que Asta Rose Alcaide morreu, estava a caminho do Teatro Sesc Newton Rossi para montar o espetáculo “Duas Gotas de Lágrimas no Frasco de Perfume”. Senti um pesar profundo porque fiquei diante do amor incondicional que ela sentia pelos palcos. Segui para o ofício de abrir as cortinas e, entre rápidos intervalos, vinha a imagem dessa artista à mente.
Um dia, eu fiquei diante da estante de livros de Asta Rose Alcaide. Não sabia se me concentrava nas histórias que ela me contava ou se vasculhava aquele mundo que cobria as paredes da biblioteca. As obras ainda se espalhavam por cristaleiras e móveis de canto. No centro desse lugar, sentava-se como uma rainha elegante e dotada de conhecimento ímpar.
Há preciosidades, meu querido, que, talvez, ninguém tenha no Brasil
Asta Rose
Esguia, como uma bailarina que sonhou ser aos 17 anos, ela se ergueu da poltrona e dirigiu-se a um canto da estante. Sem pressa, trouxe um precioso libreto de ópera, que mais parecia um pergaminho bíblico.
Por favor, toque com cuidado. Conhece este homem?
Asta Rose
Era um galã, belíssimo. Arrisquei Rodolfo Valentino. Ela riu com orgulho.
Não esse é um dos maiores nomes da ópera portuguesa
Asta Rose
Tratava-se do tenor Tomás Alcaide. Ele era muito bonito. Foi cobiçado por Hollywood. Os dois se conheceram no Theatro Municipal de São Paulo. Ela, uma aprendiz. Ele, um ídolo. Foram casados por 25 anos e a morte os separou (em 1967)
Viúva convicta desse grande e único amor, Asta Rose falava de Tomás com o rosto irradiado de felicidade. Mostrou-me ainda discos raros do amado. Não consegue ouvi-los. Só admirá-los. Com ele, aprendeu tudo sobre óperas. Da história à concepção. Da linguagem à produção. Quando o casal veio conhecer Brasília em 1962, ela já era uma autoridade no assunto.
Dez anos depois, nas reviravoltas do destino, estaria de volta, num convite da Embaixada dos Estados Unidos. Aqui, ajudei a fundar a ópera na cidade
Asta Rose
Em Brasília, Asta Rose escreveu a história com a Associação Ópera-Brasília (foram 18 produções sob seu comando). Uma delas, “L’enfant et lès Sortiléges”, de Ravel, tinha direção cênica de Hugo Rodas, como mostra o vídeo da intérprete Janete Dornellas, na época uma estreante. Nele, pode ser visto Asta trabalhando nos bastidores.
Às vésperas das estreias, Asta era vista em cima de escada retocando cenários ou correndo pelas coxias para ajustar pormenores de figurino, maquiagem, postura dos intérpretes. Quando chegou aqui, era uma lástima cultural. Imagina, ela vinha da Europa com uma tradição de óperas. Foi um choque. Resolveu montar óperas para sobreviver culturalmente.
Asta Rose era uma das figuras mais vistas nas plateias. Era movida por cultura. Culta e com uma visão crítica sobre os espetáculos, adorava partilhar suas impressões, sempre cuidadosas com o trabalho alheio. Era delicado ouvi-la, misturando o português de Portugal, um acento no inglês e a musicalidade da fala brasileira.
Vaidosa, com uma indefectível cabeleireira armada (penteado dos tempos de meninas), que, para muitos, lembrava um “algodão doce”, Asta Rose era impecável no estilo. Numa conversa, revelou-me que o segredo eram combinar cores e usar os acessórios. Tinha um xodó por um deles: o lenço, preso ao pescoço. Adorava os tons avermelhados, Dizia que eram um luxo.
Asta Rose Alcaide era mesmo um luxo. E que felicidade ter essas lembranças no cantinho da memória.