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As novelas brasileiras precisam ser feministas

Tramas como “Rock Star” e “A Lei do Amor” reproduzem estigmas da mulher apaixonada e capaz de tudo por um homem

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Estou de férias e tenho o privilégio de assistir às novelas ao lado de minha mãe, que está prestes a completar 90 anos e respira dramaticamente cada desencontro das personagens. Gosto de folhetins, aprendi muito com as narrativas televisivas, não tenho preconceito algum ao gênero. Ao contrário, orgulho-me de fazer parte de um país que sabe produzir “ilusões”.

Nas últimas semanas, vi “Rock Story”, de Maria Helena Nascimento, e “A Lei do Amor”, de Maria Adelaide Amaral e Vicente Villari. Nunca tinha assistido a nenhuma das duas pelo corre-corre do trabalho. São produções pouco ambiciosas em termos estéticos, não se propõem a renovar a linguagem e têm como objetivo central a manutenção da audiência da TV Globo, que domina esses horários.

Em comum, trazem a intocável fórmula: um casal de mocinhos se esbarra no primeiro capítulo, apaixona-se perdidamente, vive alguns momentos felizes e, durante nove meses, será constantemente separado por uma meia dúzia de personagens maus, motivados por razões diversas. Só alcançara a paz no beijo final.

É exatamente esse percurso que os telespectadores se acostumaram a assistir há décadas.Quebrá-lo é uma tarefa ousada e pontual. De tempos em tempos, aparece um gênio que bagunça essa lógica. Dias Gomes, justamente o marido de Janete Clair, a rainha dos folhetins, foi um deles. Agora, o público, talvez, esteja cansado dessas personagens com cara de passado, que nascem velhas para um espectador que exercita com mais plenitude o senso crítico e tem outras opções ao desligar a tevê.

TV Globo/Divulgação
Amor acima de tudo para Diana e Leo

 

Falo, principalmente, sobre as personagens femininas. Ainda tratadas como se estivéssemos em algum lugar do século 20. Num momento histórico, quando as mulheres brasileiras levantam as vozes contra o feminicídio; lutam pela igualdade de direitos e reivindicam o fim do machismo e do sexismo em seu cotidiano, as novelas brasileiras negam-se a espelhar esse movimento feminista.

TV Globo/Divulgação
Julia Rabelo e o velho golpe da barriga

 

Tanto em “Rock Story” quanto em “A Lei do Amor”, a flecha de desejos que move as personagens femininas é “a conquista do homem amado”. A mulher tratada pela trama das sete é ainda movida pelos golpes da barriga, a sedução brejeira, a rivalidade feminina e a histeria. São tipos descolados do contemporâneo, incapazes de se unirem em torno de um bem comum e desconectados de objetivos menos carnais. A protagonista Diana (Alinne Moraes), que tem uma falsa estampa de descolada, vive aos berros entre um amor e outro, deixando de lado o poderoso ofício de produtora musical.

Em “A Lei do Amor”, o esquema não foge aos estereótipos da mulher feita para o lar. A vilã Magnólia (Vera Holtz, uma atriz que se desconstrói diariamente nas redes sociais com posts questionadores) é misógina. Não gosta de mulheres. Trata as rivais aos tapas em tempos de Lei Maria da Penha e nada acontece. É capaz de trair a filha com o genro e despreza completamente o sexo feminino. Claudia Raia ganhou uma Salete, que, apesar de ter um negócio próprio, perde a cabeça diariamente pelo empregado em pegações no escritório.

 

Divulgação/TV Globo
Claudia Raia (Salete): romance e negócios

 

O interessante é que essas duas tramas são escritas por mulheres. Uma delas, Maria Adelaide Amaral (“A Lei do Amor”), é exímia em captar a alma feminina. Esse dado indica que as autoras estejam seguindo à risca uma fórmula vencida. A raiz desse anacronismo do feminino nas novelas globais tem que ver, provavelmente, com a gestão dos projetos de dramaturgia, ainda pautado pelo medo de perder a audiência. Aquela perigosa máxima que “não se mexe em time que está ganhando”. No caso das novelas, essa partida vem sendo perdida a cada estreia.

As novelas têm visto sistematicamente seu público migrar para outras mídias. Não acredito que seja só o cansaço do gênero. Esse conteúdo que mantêm esse status quo do “herói macho” versus a “heroína apaixonada” está a sete palmos. Assim que voltar para labuta não vou mais me sentar no sofá para acompanhar o que considero “ultrapassado”.

Quero ver histórias em que as mulheres sejam mulheres de 2017 e que os homens busquem reencontrar um jeito de pôr ao chão o conteúdo machista adquirido durante o tempo de vida

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