As mulheres tiveram papel crucial no nascimento do teatro brasiliense
A série Teatro 061 destaca Golda Pietricovsky e Laís Aderne, que, ao lado de Sylvia Orthof, formaram o alicerce feminino do teatro cadango
atualizado
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Em torno do intenso exercício teatral de Sylvia Orthof, dentro e fora da UnB, duas mulheres tiveram um papel fundamental na primeira década de vida do projeto Brasília: Golda Pietricovsky (1930-2017) e Laís Aderne (1937-2007, foto no alto de Kim-Ir-Sen). O olhar feminino alavancou o incentivo cultural e a formação teatral dessa primeira geração de artistas que exerceu as artes cênicas na capital federal.
A ligação de Sylvia e Golda estabeleceu-se de imediato, em 1961, quando, ao lado de Murilo Eckhart e Clarisse Relvensky, formou-se o “Teatro Candanguinho”, programa infantil com fantoches, que era transmitido pela TV Brasília, sediada na W3 Sul.Com plateia disposta em arquibancada, eram apresentadas histórias de contos de fadas, como “Chapeuzinho Vermelho”, e outras mais contemporâneas. Nasceu, provavelmente, nessa experiência a estrada luminosa de Sylvia Orthof, hoje referência na literatura infantil brasileira.
O programa influenciou fortemente o uso de fantoches nas escolas do DF. Há registros na imprensa local de aulas com bonecos depois da estreia do programa. No grupo, não havia um mestre no centro.
Todos eram muito jovens. Uns aprendendo com os outros no dia a dia e unidos por um amor incondicional ao teatro. Por dois anos, a atração era exibida aos sábados, às 18h, atraindo pais e filhos carentes de experiências lúdicas numa cidade que acabara de ser inventada.
Meu marido teve uma proposta de vir pra Brasília dirigir a sucursal do Correio Paulistano. Vim num avião chamado Conver. Nós saímos à tarde, de São Paulo, e chegamos à noite. Não se via Brasília, só umas luzinhas. Brasília, todo lado que eu olhava, era prédio subindo, lacerdinhas voando. Era assim, fantástico, era uma aventura
Golda Pietricovsky
A aventura de Golda foi espalhar conhecimento e cultura. Ela se tornaria uma das mais importantes defensoras da cultura israelita no Brasil. Uma de suas filhas, Iara, influenciada pelo Teatro Candanguinho, seguiu a carreira de atriz.
Uma trajetória brilhante, por sinal. Há registros de outras crianças na plateia que tiveram relação profissional com teatro. Uma delas: Kido Guerra, que se tornaria um importante ator, diretor e jornalista.
Golda era uma entusiasta do teatro. Judia e polonesa, tinha convicção da importância da cultura na formação do indivíduo. Sabia da importância de se ter uma atividade teatral em Brasília não só para seus filhos, mas para as crianças que aqui chegaram. O seu papel é de incentivadora. Era espécie de conselheira permanente de Sylvia Orthof. Fazer teatro e assistir teatro, para ela, eram atividades para formação do caráter e da bagagem cultural.
Iara Pietricovsky, a filha atriz, encontrou amparo no aprendizado teatral sob a orientação de Laís Aderne, que acreditava no poder de unir teatro e educação. Artista plástica, Laís estava dentro do CIEM (Centro Integrado de Ensino Médio), escola-modelo idealizada por Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, localizada dentro do campus da UnB.
Diria que a primeira geração de artistas brasilienses de várias áreas saiu dessa fornada. Laís era a mãe dessa geração de não nascidos mas amantes da cidade e da cidadania candanga. Ela foi a primeira secretária de cultura quando esse órgão foi instituído
Iara Pietricovsky
Laís Aderne estimulou a formação de grupo de teatro, que tinha a participação do jovem Lauro Nascimento, dramaturgo e diretor, que, nos anos 1980, criou um importante movimento cultural em Brasília, denominado Teatro nos Bares. Com Laís no CIEM, fez o “Auto da Camisa Listrada”, uma das poucas dramaturgias inéditas concebidas em Brasília na década de 1960. Não à toa, a escola-modelo foi fechada pela ditadura militar.
Laís esteve na liderança do teatro dentro do projeto inovador no Colégio Pré-Universitário. Coordenou e criou a Sala Glauce Rocha, com capacidade para 142 lugares, e ofereceu o ensino do teatro como disciplina optativa. Dimer Monteiro e Dácio Caldeira eram professores e uma futura geração de artistas passou por suas mãos, dentre eles, Guilherme Reis, hoje secretário de Cultura do GDF. Ensinava que era preciso aprender diversas culturas, mas jamais se aculturar.
Laís era uma colecionadora de pessoas. Eu como filho era uma das peças de sua coleção que tinha gente de todo mundo, da Paraíba, de Brasília, de Marajó e de Olhos D´Água
Pierre Aderne
O legado de Laís Aderne para Brasília ultrapassou o teatro. Ela idealizou a Casa de Cultura da América Latina (CAL), o Festival Latino Americano de Arte e Cultura (FLAAC), a Feira do Troca de Olhos D’água e o Eco Museu do Cerrado. Exerceu o cargo de secretária de Cultura.
Como Golda e Sylvia, Laís é uma mulher-alicerce do teatro brasiliense feminino e político
Na próxima coluna, vamos passar o bastão para Murilo Eckhart, o jovem que se transformou em importante diretor e formador teatral do DF.
FONTES:
Acervo do Correio Braziliense
“(A)bordar Memórias, Tecer Histórias: Fazeres Teatrais em Brasília 1970-1990”, dissertação de mestrado de Elizângela Carrijo
“A Paixão de Honestino”, de Betty Almeida
“Histórias do Teatro Brasiliense”, de Fernando Pinheiro Villar e Eliezer Faleiros de Carvalho
“Panorama do Teatro Brasiliense em 1968”, artigo de Carlos Mateus de Costa Castello Branco, publicado na revista Intercâmbio
“A Cidade Teatralizada”, de Celso Araújo
“Educação Pela Arte: o Caso Brasília”, de Maria Duarte de Souza
“Canteiro de Obras”, Notas Sobre o Teatro de Brasília, de Glauber Coradesqui