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Ary Para-raios, palhaço que coloriu a Brasília cinzenta de ruas vazias

Série Teatro 061 homenageia o artista que levou para o asfalto uma ocupação lúdica em nome da liberdade. Criou o Esquadrão da Vida

atualizado

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Mila Petrillo
Ary Para-Raios
1 de 1 Ary Para-Raios - Foto: Mila Petrillo

Um dos dias mais felizes em que vivi em Brasília foi atrás do Esquadrão da Vida, grupo teatral criado em 1979 pelo poeta e palhaço Ary Para- raios. Quem conhece a capital federal sabe o quão é poderoso, e difícil, ocupar as suas ruas de forma lúdica. Essa trupe sabe fazer como ninguém. O tapete vira asfalto e o céu o holofote que ilumina os artistas teatrais, circenses e brincantes.

Quem mata a mata se mata

Ary Para-raios

Quando eu fui atrás do cortejo do Esquadrão da Vida, Ary Para-raios havia morrido havia uma década. Quem comandava a folia era a filha, multitalentosa atriz e diretora Maíra Oliveira. Percorremos o Setor Comercial Sul e o Conic num sábado de dezembro e eu chorava como criança. Estava tocado pelo coração. Sempre admirei a história desse palhaço-poeta que fazia o brasiliense feliz, ocupando o que não tinha sido feito para ser ocupado.

Ele foi um homem que viveu o seu tempo e sua vida de fora intensa, conflituosa e apaixonada. Um homem sensível e atento às delicadezas do mundo, às potencialidades individuais do ser humano, uma pessoa especial. Às vezes, penso que ele foi um homem à frente do seu tempo, talvez por tê-lo vivido de forma visceral, generosa e contestadora

Maíra Oliveira
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Gigante e suas pirâmides
Asfalto virava tapete
Brasília cheia de sons
Tocador da vida
Palhaço
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Ocupação lúdica

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Gigante e suas pirâmides

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Asfalto virava tapete

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Brasília cheia de sons

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Tocador da vida

Milla Petrillo
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Palhaço

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Arte e ética

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Símbolo do Esquadrão da Vida

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Pirâmides humanas

Ary Para-raios era um artista genial em sua simplicidade. Trazia em si o que há de mais nobre em que faz arte: a ética. Era um criador que tinha fortes princípios humanistas. Falava da destruição do planeta, da devastação do cerrado e das matas, do extermínio dos índios, do genocídio dos pobres da periferia. Pautava a liberdade em suas criações.

Ética não é titica

Ary Para-Raios

Quando pintou o rosto de palhaço e encheu o concreto de possibilidades, fez um aceno a um outro Brasil dos anos 1970, tingido pelo cinza-tristeza, o tom da ditadura militar. Ary falava do que não podia ser dito e traduzia esse canto de liberdade nos corpos dos seus brincantes. Quando a trupe cortou os eixos, ganhou do jornalista TT Catalão o nome de Esquadrão da Vida, em oposição ao tenebroso grupo de extermínio Esquadrão da Morte.

Paranaense de Sertanópolis, Ary chegou a Brasília em 1975. Corajoso veio rir da cara do poder. Brincou e tirou um sarro da ditadura militar bem em sua cara sisuda. Um dos maiores sucessos do Esquadrão da Vida foi “O Bicho Homem e Outros Bichos”, que ficou em cartaz de 1993 a 2000. Teve ainda “Romeu & Julieta nas Ruas”. Em todos, corpos humanos erguiam pirâmides vivas e de coração pulsante, que pareciam querer tocar o céu. Sempre achei uma ironia aos monumentos gigantescos de concreto, que transforma o homem em “um cisco” no chão.

O Esquadrão formou uma geração de atores e espectadores. Foi uma escola poderosa que mexeu com técnicas de teatro e de circo. Acompanho a trajetória de Maíra Oliveira com gosto e vejo a luta que ela tem para manter um elenco de tantas habilidades, que requer treinos semanais. Infelizmente, vivemos numa política pública para cultura que não permite uma manutenção continua desse trabalho.

O Esquadrão da Vida é o seu maior legado do meu pai. Com o Esquadrão, vem o pensamento que o envolve desde sua criação: a possibilidade de reflexão sobre o direito à cidade. O direito de vivê-la em sua plenitude, com a ocupação lúdica e poética dos seus espaços em harmonia com os seus habitantes

Maíra Oliveira

O próprio acervo do Esquadrão da Vida está fatiado em casas diferentes e se deteriora por falta de conservação. A história de Ary era para ser tratada com delicadeza. Um centro de memória e formação. Ao contrário, uma nova geração de artistas e espectadores surge sem saber quem foi esse mestre que nos fez rir e respirar um ar mais puro.

“Esse tipo de material precisa sempre de manutenção, muita coisa ainda precisa ser digitalizada, temos vídeos em super 8, fotos que não tem filmes, matérias de jornais que estão bem cuidadas, mas o papel é uma coisa difícil de se conservar. Fora figurinos, peças de cenário. Muita coisa o grupo utiliza, mas aproveitaríamos melhor se tivéssemos um espaço adequado, com tudo muito bem organizado e catalogado, porque sempre é um trabalho muito grande mexer nesse acervo”, avalia Maíra Oliveira.

Maíra Oliveira corre o país com o monólogo “Quando o Coração Transborda” que homenageia o pai. Em dezembro, ele volta à cidade para fechar a circulação teatral.

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