A última aparição de Belchior em Brasília foi numa canja de Tom Zé
O cearense estava na plateia da apresentação de “Estudando a Bossa”, no Espaço Brasil Telecom, e foi chamado ao palco
atualizado
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A última aparição de Belchior nos palcos de Brasília não foi anunciada em jornais, tevês e sites. Nem circulou pelas redes sociais. Foi especialíssima e inusitada. Em 5 de março de 2009, uma plateia apaixonada por Tom Zé se dirigiu para o Espaço Brasil Telecom, situado no Hotel Alvorada (Vila Planalto). O mestre apresentava o repertório do ótimo “Estudando a Bossa” e, em meio aos anônimos, estavam lá – Belchior e sua esposa.
Quietinhos na plateia, vibraram com a performance do mais menino dos tropicalistas. Alguém avisou a Tom Zé da presença honrada. De repente, lá estava Belchior em carne, osso e bigode no meio do palco para uma canja histórica.
Anfitrião dos mais doces, Tom Zé providenciou microfones para o cantor e compositor cearense. Conseguiu logo dois, em pedestais, que ajustou com a destreza de um roading.
Um músico da banda ofereceu delicadamente o violão. Belchior elegantemente declinou. Vai tocar os corações com o seu melhor instrumento: a voz.
Emocionado com o tratamento, Belchior falou de intimidades. Contou que Tom Zé ouviu uma música no Cine Olímpia, em Irará (Bahia), e impressionou-se com a melodia. Trata-se de “Doce Mistério da Vida (“Ah, Sweet Mistery of Life”, uma das mais lindas faixas de “Vício Elegante”, álbum de 1996, no qual o intérprete Belchior empresta a voz para sagrar canções alheias).
Antes de atravessar a voz rasgando e calando uma plateia eufórica, Tom Zé pediu licença e pulou para o gargarejo do palco, como se fosse um fã número um. O público gargalhou. Belchior está visivelmente emocionado. “A alegria pura”, aliás, já se fazia presente desde os primeiros minutos do show.
Belchior interpretou a canção e provocou delírio num público jovem. Talvez, muitos nunca o tinham visto ao vivo.
Tom Zé puxou o coro de “mais um”. Alguém gritou “A Palo Seco”, uma das faixas do disco obra-prima “Alucinação”, o que encantou Elis Regina, bem antes de virar vinil. Dali, numa audição íntima, a maior intérprete do país pediu para gravar “Como Nossos País” e “Velha Roupa Colorida” e a vida de Belchior nunca mais foi a mesma.
Tenho vinte e cinco anos. De sonho e de sangue. E de América do Sul. Por força deste destino. Um tango argentino me vai bem melhor que um blues
Belchior
Ao contrário de “Doce Mistério da Vida”, “A Palo Seco” foi acompanhada em coro por parte da plateia encantada. Parecia um sonho. Belchior e Tom Zé, dois dos mais importantes artífices da música brasileira, numa noite só e diante dos nossos olhos. Sim, eu estava lá.
Tom Zé subiu ao palco. Pulava que nem um menino. Todos da banda se uniram para o agradecimento final. Tom Zé se apoiou nos ombros dos companheiros e subiu com as duas pernas para o alto. Belchior tentou repetir a ação, mas só levantou a direita.
Isso é uma festa. Agora, não vai me sacrificar, rebanho de vagabundo. Vocês viram ele cantar, mas não deixem de comprar a banana do meu disco aí fora, pelo amor de Deus, se não eu tô fudido
Tom
Belchior, rindo, desceu elegantemente do palco. Foi de Tom Zé a palavra final:
Brasíliaaa
Tom Zé