A professora aposentada Janilce Rodrigues acompanha perplexa as chacinas que se espalharam por presídios do país, desde o começo de 2017. Tem a convicção de que “bandido bom não é bandido morto”, como pregam alguns humanos. Ao contrário, sabe o quanto vale a vida de cada um dos encarcerados.
Por oito anos, ela frequentou o sistema prisional da Papuda para levar técnicas e jogos teatrais a quem violou a lei. No seu ofício diário, testemunhou uma pequena revolução. Uma vez, fazia exercícios teatrais com um grupo de jovens detentos. Eles corriam, brincavam e, ao final, um deles revelou entusiasmado:
Por um momento, me esqueci que estava preso
De Sobradinho, onde dava aulas de teatro, Janilce seguiu para Papuda com o objetivo de trabalhar teatro com pequeno grupo de detentos, que já havia passado por alguma experiência teatral. A trupe era formada por quatro rapazes. Juntos, eles decidiam temas a serem teatralizados de forma pedagógica. Uma vez, escreveram e encenaram uma peça sobre os males do tabagismo. Em outra, levaram ao palco a rotina de um detento. Na experiência, refletiam a complexidade de estar encarcerado.
Vi a transformação humana diante dos meus olhos. É emocionante. Desses quatro rapazes, um se foi. Perdermos para o crime. Os outros três estão livres, ressocializados, com laços de família e de trabalho
Janilce Rodrigues
Um deles, que vamos chamá-lo de Nelson, levou as técnicas de teatro para a igreja. Outro, o Plínio, melhorou o relacionamento afetivo com a família.
Um deles me contou que pegava o ônibus e se perguntava: será que essas pessoas podem imaginar que eu um dia estive na Papuda?
Janilce é entusiasta do poder da arte nesse processo de ressocialização. Atualmente, lê o livro sobre a psicanalista Nise da Silveira e encanta-se com a revolução que a cientista promoveu no sistema manicomial. Fica triste quando o governo anuncia medidas de segurança e de construção de presídios sem pensar num processo transversal de educação e de arte para os detentos.
Vi presos que não eram alfabetizados se interessarem em aprender a ler por conta do teatro. Outros melhoraram a comunicação e o afeto
Janilce Rodrigues
O projeto de Janilce foi tão importante que o grupo teatral da Papuda saiu sucessivamente do presídio para se apresentar em teatros da cidade. Fui, uma vez, assistir a peça musical “Gonzaguinha” e fiquei emocionado com a força dos atores em cena. Eles chegavam trazidos por um aparato policial e ocupavam as coxias. Em cena, cantavam, tocavam instrumento e contavam a história do grande cantor e compositor brasileiro. Os parentes gritavam da plateia, mas não poderiam tocá-los, nem ao final, no momento dos aplausos.
Uma vez, fomos ao CCBB, no projeto Teatro Escola, e um deles me pediu para tirar uma foto do local. Queria mostrar ao mundo que ele frequentou um espaço tão bonito. Hoje, ele está livre. Nunca mais voltou a criminalidade
Janilce Rodrigues
Até hoje, Janilce mantém contatos com os ex-alunos, a maioria está livre. Em casa, possui uma coleção de cartas escritas pelos participantes durante os processos, além das peças criadas no sistema prisional. Quer organizar tudo num livro e contar essa experiência. Quem sabe o governo se interessa e estimula o ensino de arte dentro do sistema prisional.
Nesse período, nunca ouvir nenhum detento falar de facção alguma. A preocupação era outra. Viver aquela experiência teatral
Janilce Rodrigues
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