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O adeus a Verônica Moreno, a mulher que deu a Cristo a cor dos excluídos

Ativista cultural, atriz e diretora fez uma revolução cultural na cidade de Samambaia e mostrou a força dos movimentos culturais na transformação de vidas

atualizado

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Há muitas mortes dentro da morte da atriz, diretora, arte-educadora e ativista cultural Verônica Moreno. A mais cruel delas (com todo respeito à ausência da mulher, da mãe, da filha e da amiga) abateu a militante de uma arte capaz de transformar vidas. Golpeou aquela que acreditava no teatro como experiência para além de pôr um espetáculo em cartaz.

Sentimos, profundamente, a morte da artista humanista, politizada, que dialogava com postulados da “Teologia da Libertação”, de Leonardo Boff; do “Teatro do Oprimido”, de Augusto Boal; e da “Antropologia Teatral”, de Eugenio Barba. A mulher que deu feição negra à embranquecida imagem de Jesus e movimentou, por quase duas décadas, dezenas de jovens moradores de Samambaia em torno da encenação da Paixão de Cristo.

Acervo Josuel Junior

Acompanhei e assisti aos bastidores da “Paixão do Cristo Negro”, que inexplicavelmente parou de receber patrocínio público, e vi o sentimento de pertencimento de cada um dos integrantes nutria em construir história, numa cidade sem cinemas, casa de espetáculos e equipamentos culturais públicos. Verônica Moreno era o trator que movia aquela aragem teatral e enchia o trabalho de ideologia.

Corpo político
O Cristo de Verônica tinha a cor dos excluídos, dos favelados, dos mortos nas encruzilhadas, dos que estão fora das universidades e dos mais cobiçados postos de trabalho. Sem precisar fazer discurso panfletário, ela enchia a Via Crúcis dessa reflexão crítica, porque acreditava que o corpo negro do protagonista falava por si. Era uma subvenção, uma pequena grande revolução que teve ecos na comunidade.

Divulgação

O racismo, o preconceito, todos os tipos de violência, opressão e miséria estão ligados naturalmente à Paixão. Queremos que a comunidade se identifique com o sofrimento deste Cristo, hoje crucificado pela fome, pelo preconceito

Verônica Moreno

Verônica sentiu que a ideia do Cristo Negro vingou quando, certa vez, ficou diante de uma senhora. Emocionada, a mulher pediu a diretora para tocar no corpo daquele Jesus tão diferente das imagens sacras. Ali, a idealizadora percebeu a dimensão daquela experiência. Acreditava que o toque era mesmo o fim das barreiras entre os indivíduos.

Caravana de discípulos
Muitos dos discípulos de Verônica, embriagados pelo amor ao teatro, foram estudar artes nas universidades, formaram companhias sediadas em Samambaia (Cia. Fábrica de Teatro), abriram espaço cultural (Imaginário), viajaram pelo circuito de festivais amadores da América do Sul (Entepola). Transformaram-se em artistas independentes que seguem em constante movimento de formar novos artistas.

Acervo Josuel Junior
Jovens nos bastidores da Paixão do Cristo Negro

Oh, meu Deus. A primeira pessoa que aposta na gente, a gente não esquece. A gente não pode esquecer. Vai, sua louca! Vai… mas vai dançando! Dança, canta… e vai!

Josuel Júnior, da Cia. Fábrica

Foram eles que fizeram barulho em torno da pior morte de Verônica. Passaram a madrugada confeccionando estandartes e adereços para que a partida da mestra não fosse silenciada. Espalharam a notícia nas redes sociais e cutucaram a imprensa brasiliense para a importância da mulher que pôs a vida deles em outro patamar. Uma das frases mais emocionadas foi postada pelo ator José de Campos em suas redes sociais.

São raras as mortes que te fazem contestar a vida… e não a morte

José de Campos

A inesquecível Tonha

Formada na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, a cearense Verônica Moreno costumava dizer que nasceu para os palcos. Com veia cômica e uma gargalhada impagável, pensou em fazer a vida contando piadas nas barracas de Fortaleza. A paixão pelas artes cênicas era tanta que pôs fim a um casamento, quando o ex-marido a colocou entre um impasse: “ou eu ou o teatro”.

Em sala de aula, na Paixão do Cristo Negro ou nos palcos, a obsessão era para fazer tudo com seriedade, disciplina e dedicação. Um dos mais marcantes espetáculos brasilienses dos anos 2000 passa pelo seu crivo. Com direção e texto do filho Paulo Russo, ela viveu Tonha em Ilhar. Cercada por um cenário que remetia a uma feira, assinado pelos irmãos Adriano e Fernando Guimarães, Verônica Moreno jorrava a força da mulher nordestina, numa interpretação aplaudida de pé e guardada na memória da pele.

Confira entrevista com Verônica Moreno

 

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