A história da africana Titi é um conto de almas que nos enche de afeto
A relação de amor dessa família incomodou pessoas que deixaram de ser gente
atualizado
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A história da menina Titi é muito emocionante. Uma metáfora tocante à forma desumana com que o Brasil tratou historicamente a África. A mulher branca que atravessa os mares não para escravizar, arrancar da terra uma vida e forçá-la ao trabalho. Corta os continentes para, diante do acaso, curvar-se à vida tão preciosa de uma garota, ali desprezada entre milhares pelos poderosos que ocupam as casas brancas de seus países ricos e armamentistas.
A menina negra Titi encontrou a mulher branca Giovanna Ewbank pela porta dos olhos. O coração torna-se a casa-grande arejada de livre trânsito. É um conto de almas que dilui nódoas do passado. Desses que faz a gente acreditar no aqui e agora e seguir firme diante de tanta desumanidade que se aflora no mundo. As duas se amaram desde o primeiro instante. E só corações aflitos podem se incomodar com tanto amor.Numa sociedade racista, não basta não ser racista. É preciso ser antirracista.
Angela Davis
Um sentimento que se estendeu ao marido Bruno Gagliasso e constituiu o sentido verdadeiro de família. Não é simplesmente um laço racial, como alguns humanos insensatos querem tingir. O encontro de Titi, Giovanna e Bruno também não se constitui uma propaganda étnica gratuita. É uma junção de vidas enlaçadas pela magia do amor, o poder de subverter o destino, o frescor de renovar vidas.
Tampouco podemos pensar como caridade. Não é pelo fato de Titi ter estado numa situação de vulnerabilidade social que a faz inferior ao casal de atores bem-sucedidos. Quando eles se entenderam como família, todos se igualaram.
É uma história de amor, de afetos. E merece o nosso respeito porque traz em si o poder inspirador de refazer cotidianos violentos, vazios e mesquinhos. Há nessa história a capacidade de repensarmos os passos rumo ao destino cabal de cada um: o envelhecimento e a morte.
É poética a história de amor dessa família. Podemos ler essa narrativa para os nossos filhos e netos. Ensiná-los que o verdadeiro valor da vida está em encontros entre humanos diversos independentemente de raça, cor e credo.
É desolador assistir ao vídeo e aos constantes ataques que os negros, como a inocente Titi, recebem no Brasil nesses tempos bizarros. Não quis acessar o discurso de uma mulher que professa injúrias raciais como se orasse diante das suas criminosas crenças. Nego-me a entrar em contato com a energia de humanos que perderam a humanidade no rastro da vida. É uma força nefasta e destruidora. Sugam o que há de mais sublime na vida: a possibilidade de reinvenção dos destinos.
Quando nasci era preto
Quando chorei era preto
Quando adoeci era preto
Quando me assustei era preto
Quando morri era preto
Já você…
Quando nasce é branco
Quando chora fica vermelho
Quando adoece fica verde
Quando se assusta fica amarelo
Quando morre fica cinza
Quem é o homem de cor?Poesia de Miguel da Lapa
Infelizmente, essa violência diária não cessa e nem chega à mídia quando o fato se desloca para a geografia das periferias. No Brasil, meninos e meninas negras têm sido massacrados silenciosamente por humanos mesquinhos, que têm a cor da pele mais clara e escondem o sangue negro, que registra, em seu DNA, a dor da escravidão.
Vamos usar a tecnologia em favor da denúncia contra o racismo. Não há mais como suportar tanta injúria racial num país onde a força negra é motriz, inspiradora, redentora e divina (um salve às religiões de matrizes africanas). Se a Justiça não se impor como uma baliza, seremos engolidos por uma horda de gente que deixou de ser gente em algum momento de sua vida.
Esse triste embate precisa sair das redes sociais e ir para os tribunais. Ou a injúria racial e o crime de racismo são enfrentados com o rigor que o momento exige ou caminharemos para um tenebroso tempo sem limites e previsões.
Eu confio na Justiça e em histórias de amor e de afeto. Uma vida linda para Titi.