10 episódios que jogaram o Brasil de 2017 na Idade das Trevas
Da exposição cancelada à concessão para “cura gay”, a liberdade foi atacada no país por campanhas moralistas manipuladas pela ultradireita
atualizado
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O ano de 2017 foi assustador. De repente, vozes ultrapassadas contaminaram as redes sociais com um discurso de ódio contra a arte, a liberdade de expressão e os direitos humanos.
Exposição fechada, peça teatral censurada e ataques racistas revelaram: a extrema direita saiu do armário. Internacionalmente, o Brasil teve a imagem maculada, passando a sensação de que o país não tem maturidade para lidar com questões contemporâneas, como a urgente necessidade de se criar uma diretriz para a política de gênero.1 – Artista apreendido
O Palco Sesc Giratório, uma das mais importantes plataformas de circulação das artes cênicas nacionais, trouxe para Brasília o trabalho de Maikon K, performance de dança-teatro realizada dentro de uma bolha artificial, na região do Museu Nacional Honestino Guimarães. A apresentação, elogiadíssima em outras capitais, enfrentou olhares desconfiados de passantes que chamaram a polícia, chocados com um possível “atentado ao pudor”.
Despreparada, a corporação foi incapaz de diferenciar uma apresentação artística do crime previsto em lei. Interrompeu a performance, estragou o cenário e levou o artista detido. Foi, em seguida, desautorizada pelo governador Rodrigo Rollemberg, o qual pediu desculpas a Maikon em nota oficial. O performer voltaria meses depois para apresentar o mesmíssimo trabalho no festival Cena Contemporânea.
2 – Mico mundial
Um grupo de militantes de extrema direita reduziu a exposição “Queermuseu”, de caráter artístico incontestável, a um ato moralista. Criou, assim, uma equivocada associação entre a mostra e o crime de pedofilia. Os protestos saíram do Centro Cultural Santander, em Porto Alegre, para as redes sociais. Apoiada em argumentos pífios, a campanha teve desfecho desastroso, com o cancelamento da exibição pelo Santander, patrocinador do painel. Havia obras de Lygia Clark, Alfredo Volpi e Candido Portinari.
Como se não bastasse o equívoco do Banco Santander, o prefeito evangélico do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella, utilizou-se de bases religiosas e morais para vetar a exposição “Queermuseu” na capital fluminense. A mostra seria exibida no Museu de Arte do Rio (MAR). O público carioca foi privado da apreciação por questões subjetivas. Uma das suas frases para justificar o veto revelou o nível raso da discussão sobre arte no Brasil.
Saiu no jornal que vai ser no MAR. Só se for no fundo do mar!
Marcelo Crivela
3 – O fantasma da “cura gay”
Uma decisão na Justiça abriu perigosa brecha para a chamada “cura gay” voltar a assombrar consultórios de psicólogos e clínicas evangélicas. O parecer pôs em xeque a Resolução 001/1999, do Conselho Federal de Psicologia, a qual proíbe que profissionais comandem sessões de reversão sexual. Assim, abriu-se espaço para quem deseja se submeter ao “tratamento” de algo não considerado “doença”, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS).
4 – Racismo frontal
Ações de racismo nas redes sociais puseram por terra a falaciosa tese da democracia racial no Brasil. Artistas tiveram suas páginas virtuais violadas com ataques de injúria racial. Um dos episódios mais tristes envolveu a pequena Titi, nascida na África e adotada pelo casal de artistas Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank.
A menina foi ofendida por uma suposta socialite, e o vídeo viralizou. Evidente nas periferias e na estrutura econômica, social e política no país, o racismo no Brasil ganhou holofotes. O mais assustador foi a quantidade de pessoas ainda acreditando que todos têm as mesmas chances numa nação ainda governada sob a ótica da casa-grande.
5 – Jesus trans proibida
A peça da atriz transgênero Renata Carvalho teve sua apresentação proibida no Sesc de Jundiaí (SP) por uma liminar que reeditava a famigerada censura no país, um dos pilares de controle da ditadura militar brasileira. “O Evangelho Segundo Jesus Rainha do Céu” não atacava nenhuma religião, apenas questionava reflexões sobre gênero e humanidade a partir de uma figura famosa por pregar o amor sobre todas as coisas.
6 – Judith Butler agredida
Uma das maiores autoridades mundiais em questões de gênero, a canadense Judith Butler foi hostilizada e agredida no Brasil por grupos de extrema direita, provocando outro vexame mundial para um país cuja maioria dos opositores nem sequer leu a obra de Butler.
Articuladores desses movimentos criaram ainda uma falácia batizada de “ideologia de gênero”, como se fosse um “demônio” capaz de corromper criancinhas. A teórica deu uma simples palestra no Sesc SP e saiu do Brasil após ser agredida fisicamente, no Aeroporto de Congonhas, por uma mulher visivelmente perturbada.
7 – #CaetanoPedófilo
Grupos de ultradireita encabeçaram uma campanha contra o artista Caetano Veloso, o qual tem se posicionado em favor da democracia e dos direitos humanos.
Pegaram uma entrevista antiga de Paula Lavigne, na qual ela revelava ter mantido relações sexuais consensuais com o futuro marido quando era adolescente, e associaram a declaração à pedofilia, uma doença que implica em prática efetiva de atos sexuais com crianças. A Justiça condenou o autor da campanha maldosa a remover todas as publicações nas redes sociais.
8 – Nudez no Masp
Ter uma criança assistindo à performance de nu artístico, em companhia da mãe, num museu, é um motivo para debate. No caso do Masp, deixou de ter esse caráter reflexivo para se transformar em histeria social.
A campanha desmedida nas redes sociais, ao vazar o vídeo em que uma menina tocava no pé do artista nu, mais uma vez desvirtuou o conceito de pedofilia – afinal, o artista não tinha intenção sexual durante a apresentação. O episódio ganhou ares moralistas e demonstrou a incapacidade da sociedade brasileira em discutir os limites da arte e lidar com a nudez humana.
9 – Ensino religioso confessional
O Supremo Tribunal de Justiça (STF) surpreendeu negativamente ao autorizar o ensino religioso confessional nas escolas públicas de todo território nacional.
A decisão afeta o aspecto de laicidade do Estado, já que cada escola vai decidir qual religião os estudantes devem aprender em sala de aula. Haverá nítido favorecimento ao catolicismo e a dogmas de igrejas evangélicas em detrimento a religiões afro-brasileiras. Também ficou autorizada a contratação de representantes de religiões para ministrar as aulas.
10 – Ataques terroristas a terreiros
Em todo o país, aumentaram os crimes de intolerância religiosa contra terreiros de matriz africana. No Rio, suspeita-se que milícias ligadas ao tráfico de drogas se associaram a supostas igrejas evangélicas para, juntos, expulsarem sacerdotes das suas comunidades. Vídeos terroristas chocaram o país ao mostrar religiosos acuados ao verem seus fundamentos de fé destruídos, sob ameaças de morte.