Oscar 2019: favoritismo de Roma reforça tom político da estatueta
Longa de Alfonso Cuarón lançado pela Netflix pode bater recordes e simbolizar posicionamento de Hollywood contra o presidente Donald Trump
atualizado
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Perceba as coincidências entre uma coisa e outra. As indicações ao Oscar 2019 saíram na última terça (22/1), em meio à paralisação (ou shutdown) mais longa da história do governo norte-americano. Enquanto o presidente dos EUA, Donald Trump, esbravejava com os opositores democratas para defender a construção de um infame muro na fronteira do país com o México – por apenas US$ 5,7 bilhões –, o filme mexicano Roma confirmava seu favoritismo à estatueta com presença em 10 categorias.
De uns anos para cá, o Oscar tem sido marcadamente uma festa de forte inclinação política. Moonlight: Sob a Luz do Luar, por exemplo, venceu a premiação de 2017 – o primeiro longa LGBT a conquistar tal feito – após a polêmica do #OscarsSoWhite, uma hashtag que protestou contra a falta de diversidade racial e étnica em edições anteriores. Aquele ano foi também o primeiro da gestão Trump.
Ganhador de 2018, A Forma da Água, do mexicano Guillermo del Toro, usou a fantasia para defender seus personagens renegados e marginalizados, como uma moça muda que se apaixona por um homem anfíbio e seu melhor amigo, um homem gay de meia-idade.
Meses depois, fora da telona e longe do tapete vermelho, a virulenta política de imigração de Trump começava a atuar na fronteira com o México, separando à força centenas de famílias – as chocantes cenas de filhos sendo tirados dos pais rodaram o mundo.
“Sou imigrante, como muitos de vocês. Nos últimos 25 anos tenho vivido aqui. É o lugar em que mais gosto de viver”, disse Del Toro, ao receber um dos prêmios.
A temporada de 2019 pode reforçar esse posicionamento político da Academia ao premiar Roma, um drama em preto e branco de sugestão autobiográfica – Cuarón se baseou em memórias da infância e de família para narrar a vida da babá Cleo.
De quebra, a vitória ainda oferece a possibilidade de filiar Hollywood de vez aos novos tempos vividos pelo cinema na era digital. Roma é o primeiro título original da Netflix a figurar entre os postulantes a melhor filme.
A plataforma, já acostumada a vencer o Oscar com seus documentários, como Ícaro (2017) e Os Capacetes Brancos (2016), vinha tentando participar da categoria principal desde seu primeiro filme, o drama de guerra Beasts of No Nation (2015), estrelado por Idris Elba.
Em 2014, Alfonso Cuarón se tornou o primeiro cineasta mexicano e hispânico a levar para casa o Oscar de melhor direção, por Gravidade – na mesma cerimônia, abocanhou também o troféu de melhor montagem.
Desta vez, ele sozinho concorre a quatro prêmios – melhor filme, pois também produziu Roma, direção, roteiro original e fotografia. Se tivesse obtido menção em montagem, isolaria-se como o artista com mais indicações em uma só edição da cerimônia.
Roma empatou com O Tigre e o Dragão (2000) como a produção não americana com mais indicações – 10. O filme de Ang Lee converteu quatro delas em prêmios, incluindo melhor longa estrangeiro.
A expectativa em torno da obra mexicana é que ela perca o prêmio voltado aos filmes de fora – possivelmente para Guerra Fria, já que o trabalho polonês emplacou presença em direção (Pawel Pawlikowski) e fotografia – e seja consagrada com a última e mais importante estatueta da cerimônia.
Enquanto Trump insiste que o muro resolveria quase todos os problemas do país, Hollywood é cada vez mais a casa dos Three Amigos. Os filmes de Cuarón, Del Toro e Alejandro González Iñárritu (estatueta por Birdman) somam ao todo 81 indicações e 22 vitórias. A conta pode aumentar em 24 de fevereiro, quando os envelopes do Oscar 2019 serão abertos.