Nova temporada de Chef’s Table é fruto do famigerado algoritmo
Histórias de racismo, machismo, ansiedade e o debate sobre o consumo de carne tomaram conta dos roteiros da série
atualizado
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Em algum ponto, o Chef’s Table teria que se reinventar. Não à toa, sua quarta temporada se concentrou no delicioso mundo da confeitaria, enquanto a seguinte buscou emocionantes histórias de forte teor político. No novo conjunto de episódios, a impressão é a de que o streaming buscou se pautar pelo algoritmo.
A mais nova temporada da série mantém a já tradicional estética limítrofe entre o documentário e o vídeo institucional. Trata-se, afinal, não só do relato da história de um chef, mas de uma bela homenagem à trajetória daquela pessoa. A diferença aqui é a temática: os produtores buscaram personagens que pudessem falar sobre assuntos mais comentados pelos consumidores da plataforma.
O mesmo streaming de Okja (2017) e Cowspiracy (2014) bancou um polêmico episódio sobre o italiano Dario Ceccini, um aspirante a veterinário que se tornou o melhor açougueiro do mundo. O segundo episódio desta temporada da série é, provavelmente, o de melhor edição. De início, nos deparamos com um Dario que sacode pedaços de carne crua em seu restaurante e berra aos consumidores: comam carne!
Estabelecida a figura fanfarrona – e chocante para qualquer vegetariano ou vegano –, descobrimos o homem por trás do colete com as cores da bandeira italiana. Dario não queria matar um único animal, mas se viu obrigado a abandonar a faculdade de veterinária para assumir o açougue da família. Ao longo de décadas de trabalho, conseguiu estabelecer uma relação próxima com seu trabalho, ao passo em que aperfeiçoou sua cutelaria para não desperdiçar uma parte sequer: hipócrita ou não, ele tem uma relação respeitosa com a morte.
Outro assunto do momento é a ansiedade – transtorno levado às últimas consequências pelo chef Sean Brock. Quando o americano abriu seu restaurante e recebeu péssimas críticas fez uma promessa: só tiraria uma folga quando os jornais escrevessem algo de positivo sobre a casa. Dez meses depois, o estabelecimento decolou, bem como a somatização de todo o estresse acumulado por um workaholic. Sean passou por diversas (e dolorosas) cirurgias nos olhos e quase morreu por causa do transtorno.
Quem brilha nesta temporada, no entanto, são as chefs Mashama Bailey e Asma Khan. A primeira é uma americana nascida e criada no Sul do país: depois de algumas décadas em Nova York, ela aceitou o convite de um investidor para abrir o próprio restaurante em sua cidade natal. A escolha do lugar é um dos pontos mais sensíveis nesta história: Mashama elegeu uma antiga estação de trem na cidade, que segregava pessoas negras. A jovem cozinha, atualmente, em um lugar onde seus antepassados não podiam sequer circular.
Por fim, a incrível Asma Khan. A história da indiana fala por si só: a segunda menina da família passou a infância sob o estigma de ser um fardo e, na vida adulta, encontrou na gastronomia uma maneira de se provar e de orgulhar os pais. Casada com um acadêmico e vivendo em Londres, ela achou a maior alegria de sua vida na companhia de outras imigrantes sul-asiáticas e, quando teve a oportunidade de abrir o próprio restaurante, empregou uma por uma em sua cozinha.
Consumo de carne, saúde mental, antirracismo e feminismo fazem parte da bolha capturada pelo algoritmo da Netflix. Se você está por fora desses assuntos, fica a sugestão: que tal começar nestes belos episódios de Chef’s Table?
Avaliação: Bom