“Herói por Acidente”: para ser um herói é preciso antes ser humano
Em meio a overdoses de super-heróis e das franquias Marvel e DC, voltamos a 1992 e ao filme de Stephen Frears, uma fábula sobre seres comuns e atos heróicos
atualizado
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Nestes tempos de constantes overdoses de super-heróis e das franquias Marvel e DC, quando o Superman está em confronto com Batman e o Capitão América está prestes a romper sua aliança com o Homem de Ferro, já passou da hora de regressarmos para algo menos barulhento. Em 1992, o diretor inglês Stephen Frears realizou “Herói Por Acidente”, um belo lembrete de que é o fato de sermos humanos que possibilita virarmos heróis.
Dustin Hoffman vive Bernard LaPlante, um criminoso mequetrefe que está prestes a cumprir pena por vender eletrodomésticos roubados. Homem de família negligente, está a caminho da casa da ex-mulher para buscar o filho quando testemunha a queda de um avião. Resmungão e relutante, LaPlante consegue abrir a porta de emergência do avião, resgatando assim 54 passageiros e sumindo logo depois. Um desses passageiros é Gale Gayley (Geena Davis), repórter do canal 4 que lança uma campanha midiática para encontrar o “Anjo do voo 104”, herói nacional.
Logo aparece John Bubber (Andy Garcia) para recolher a recompensa de U$ 1 milhão oferecida pelo canal de Gayle. Bubber conhece a história de LaPlante porque lhe deu uma carona após o acidente, coletando assim fatos e itens (incluindo um sapato perdido) que apenas o “anjo” teria. LaPlante, interessado apenas no dinheiro que poderá ajudá-lo a resolver sua vida, precisa então revelar a verdade para pessoas, incluindo sua família, que já definiram uma outra pessoa como um herói verdadeiro.
O roteiro não é nada discreto nos temas que quer abordar. De um lado quer explorar as virtudes de um ato heróico por um personagem desprezível. Por outro, quer satirizar o cinismo do circo midiático que forma celebridades. E, quase na periferia, está a história de um filho que sempre enxergou seu pai como um herói, independentemente do que os outros dizem.
Demasiado humano
O maior acerto do filme é mostrar que seus personagens são, no final das contas, humanos. Bernie LaPlante é um criminoso sem pudores. Rouba dinheiro de sua advogada quando ela não está olhando e rouba a bolsa de Gale Gayley quando a carrega para fora do avião. Sequer reconhece que existe algo louvável no seu ato de heroísmo. Tenta usá-lo como desculpa para chegar tarde ao trabalho e só protesta quando descobre que alguém ofereceu dinheiro para descobrir sua identidade.
Gale Gayley veste a camisa de repórter em busca da “verdade”. Mas está incluída num circo que busca explorar ao máximo a imagem do “herói”. É aqui que o filme concentra a maior parte de sua crítica social. Os chefes de Gale na emissora estão atrás apenas de incluir Bubber em todo seu conteúdo. Pagando 1 milhão de recompensa, acreditam serem donos dele. Gale só percebe isso quando descobre que LaPlante é o verdadeiro herói, e a emissora não quer revelar nada ao público visto que John Bubber é um herói muito mais carismático do que Bernie LaPlante.
John Bubber, finalmente, lamenta a vida de celebridade que usurpou. Protagonista de uma mentira para receber uma recompensa milionária, vira vítima do seu próprio plano. Levado ao desespero pelos olhares de seus fãs, que imploram por uma salvação existencial, termina no parapeito de um prédio, prestes a se jogar por não aguentar sua mentira.
Moral da história
Em determinado momento, LaPlante está no bar que sempre frequenta. O bartender Chick lhe diz: “Um cara como Bubber é um tipo heróico. Eu e você não somos heróicos. Não é da nossa natureza. Não quer dizer que somos maus, apenas que não temos essa predisposição.”
Esta citação, porém, não é uma desconsideração com o homem comum no papel de herói, mas sim um reconhecimento dessa possibilidade. O filme serve para nos lembrar que, se um homem completamente egoísta e mesquinho é capaz de um ato heróico por força das circunstâncias, todos nós somos. Não precisamos ser heróis para sermos seres humanos, mas é preciso sermos seres humanos para sermos heróis.
“Herói por Acidente” está disponível, legendado, no Youtube.