“Game of Thrones”: O problema era George R. R. Martin?
No fim da sexta temporada, comentamos Brexit, empoderamento feminino e o que poderá acontecer no final da série
atualizado
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A sexta temporada de “Game of Thrones” entrou no ar no dia 24 de abril com grandes expectativas, pois se tratava de um momento inédito. Pela primeira vez, espectadores que acompanhavam a série televisiva e fãs que também leram os livros ficaram no mesmo suspense, sem saber o que vinha pela frente.
Ao passar os eventos descritos nos livros, a série agora fica ainda mais sob o controle de David Benioff e D.B. Weiss, seus produtores na HBO.
Com esta temporada completa já podemos avaliar: “Game of Thrones” ficou melhor sem George R.R. Martin?
Em episódios prévios a trama era sustentada pelos cinco livros escritos por George R. R. Martin da saga “As Crônicas de Gelo e Fogo”. Originalmente prevista em sete volumes, a maioria dos fãs ainda duvida que Martin conseguirá terminar os últimos dois. Além de sua idade avançada (67 anos) e o tamanho de cada livro (mais de 1000 páginas por volume), a última publicação foi em 2011.
Rumo ao fim
A primeira grande diferença é que a temporada finalmente terminou empurrando todos seus personagens ao que parece ser o final da história. Acompanhamos Daenerys Targaryen, Rainha de Meereen, Rainha dos Ândalos, Roinares e Primeiros Homens, Senhora dos Sete Reinos, Protetora do Domínio, Princesa de Pedra do Dragão, Khaleesi do Grande Mar de Grama, Nascida na Tormenta, A Não Queimada, Mãe dos Dragões, Quebradora de Correntes, há 5 longos anos, esperando sua chegada a Porto Real. Finalmente.
Ouvimos Arya Stark começar a recitar a longa lista de nomes que ela pretende matar ainda na primeira temporada. São Ser Amory Lorch, Tywin Lannister, Cersei Lannister, Chiswyck, Dunsen, Gregor Clegane, Ilyn Payne, Joffrey Baratheon, Meryn Trant, Polliver, Sandor Clegane e Walder Frey. E, na sexta temporada, Arya terminou seu treinamento como assassina e resolveu sua crise de identidade para poder embarcar em sua vingança. Finalmente.
Bran Stark é carregado há 5 anos em busca de algo para fazer. É um dos que mais rodaram Westeros e um dos poucos homens a chegar ao extremo norte do país. Agora ele tem uma vocação, virou o corvo de três olhos e esclareceu a verdade sobre os pais de Jon Snow, a teoria mais esperada da série. Finalmente.
Além disso tudo, após passarmos 5 anos ouvindo que o inverno ia chegar…ele chegou!
Westerexit
Em uma semana consumida pela notícia da saída do Reino Unido da União Europeia e da possibilidade consequente das várias nações da Grã-Bretanha se separarem da coroa, “Game of Thrones” também está refletindo questões de separação. Westeros, vale lembrar, é um país composto por sete reinos diferentes.
Para começar, desde a segunda temporada, quando Robb Stark ainda liderava as tropas do norte, sabemos que nenhum dos Starks ou seus seguidores querem o Trono de Ferro. O movimento deles é separatista e pretende atingir a soberania do Norte.
Já no episódio 9 desta temporada, Daenerys Targaryen faz uma aliança com Yara Greyjoy. Com seus navios, pretende levar um exército até Porto Real. Em troca, cederá a independência das Ilhas de Ferro quando assumir o trono.
Não podemos esquecer de Dorne. Agora governado por mulheres, o reino sulista também não quer conversa com a aristocracia. Após a morte de Oberyn Martell, sua viúva Ellaria quer a morte de toda a realeza.
E finalmente, assim como David Cameron renunciou como primeiro-ministro de um reino em caos, o jovem Tommen Baratheon renunciou como rei da única maneira possível para ele: o suicídio.
Se os sete reinos de Westeros conseguirem a independência, como votarão os fãs nas eleições de seus países? Mais muros e isolacionismo triunfarão sobre o espírito da cooperação?
Só as mulheres sobreviverão
Eternamente punida nas redes sociais e na blogosfera quanto à maneira em que a narrativa trata suas mulheres, a sexta temporada tem uma reviravolta interessante: o empoderamento feminino. No segundo episódio esta coluna já perguntou se apenas as mulheres sobreviverão. O que vimos este ano é que sim, elas que vão triunfar.
Exemplos:
– Theon Greyjoy retornou à sua terra natal e, em vez de clamar pelo trono que é seu de direito, se diz incapaz e apoia a candidatura de sua irmã
– Em Dorne, Ellaria Sand assassinou seu cunhado e estabeleceu seu reinado, juntamente com as três filhas
– Com o atentado no septo, toda a casa Tyrell morreu, exceto pela matriarca Lady Olenna
– Após a batalha dos bastardos, quem consegue moralizar os lordes para seguirem Jon Snow é a pequetita (de tamanho, mas não de bravura) Lady Mormont
– Arya retomou sua missão de vingança e assassinou Walder Frey e seus filhos
– Sansa derrotou seu maior inimigo, Ramsay Bolton
– Sansa pela primeira vez recusa, ou não se vê obrigada, a uma proposta de casamento
– Daenerys finalmente conseguiu exército, navios, dragões e conselheiros suficientes para voltar pra Westeros
– Nenhuma mulher foi estuprada (talvez aquela freira remanescente, pelo Montanha, mas não vemos nada)
Tudo isso vai contra cinco anos de queixas de misoginia e objetificação. Defendo a maneira como “Game of Thrones” mostra a violência, especialmente a sexual, que ocorre em sua narrativa. É com toda a brutalidade e dor que decorrem da violência no mundo real. Mas ao vermos uma temporada sem violência sexual, percebemos que, a essa altura, ela não faz falta.
Penso naquela cena da quarta temporada em que Jaime estupra Cersei na tumba de seu filho. No livro, o sexo foi consensual. Na série, num episódio escrito pelo próprio Martin, virou estupro. Entendo a decisão. Depois de tanto tempo humanizando Jaime, o escritor quis nos lembrar que ele é um vilão. Mas poderia ter sido de outra maneira? É uma característica própria de Martin, essa violência via sexo?
O que falta acontecer
Não existe possibilidade de um final para “Game of Thrones” que seja satisfatório para todos. Não existe nem mesmo a chance de um final definitivo. Imagine que a série fosse sobre a rebelião de Robert Baratheon, acontecida antes dos eventos da produção. Seria um grande épico com um rei louco, uma princesa raptada e uma revolução do povo. Ela poderia acabar com Robert assumindo o trono, Nedd Stark indo para o Norte e todos felizes para sempre. Exceto que, como estamos acompanhando nesse tempo todo, tudo deu errado.
Independente de quem assumir o trono, a história ficará incompleta, pois ainda teríamos que ver o seu reinado. E GoT não é uma série sobre governar os povos, mas sim sobre a conquista e manutenção do poder político. E isso nunca acaba.
O que sabemos sobre a vida dos cidadãos de Westeros? Os de Braavos? Ou mesmo os de Mereen? Absolutamente nada. Quais políticas os líderes destes povos desenvolveram para a prosperidade de seus povos? Além da política abolicionista de Daenerys…não sabemos de nada. Portanto, ao final, poderiam sentar Jon Snow e a nossa Khaleesi preferida no trono, se quisessem, mas a história não acabaria. A única possibilidade é matar todo mundo.
Se “Game of Thrones” é sobre a disputa política pelo poder, então o ponto final da série deve ser o custo final desta disputa, com a completa ruína de Porto Real e ninguém sobrando para reinar. Um final à la Hamlet, em que todo mundo morre. Nem Daenerys e nem Cersei são boas estrategistas ou administradoras. Ambas tentam consolidar seu poder até um ponto em que nada dá certo e a solução é violência. É Cersei quem diz “Eu escolho violência”, mas ela não é a única rainha que depende do poder do fogo para botar medo em seus súditos. E assim como Cersei tem Montanha, Daenerys tem seu Daario, outro guerreiro imbatível.
Temos dois duelos para as próximas temporadas. O primeiro entre os dois poderes de fogo. De um lado, os dragões da khaleesi e de outro o Wildfire de Cersei. Quem estiver no meio, ou seja, os cidadãos e edifícios de Westeros, que se cuidem, pois sobrará muito pouco. Com o centro do poder obliterado, aparecerá o segundo, em que Jon Snow virá pedir a ajuda de Daenerys para exterminar os Caminhantes Brancos, cuja única vulnerabilidade são os dragões e as armas derivadas deles.
O final de tudo deve parafrasear as famosas últimas palavras de Marlon Brando em “Apocalypse Now”: the horror, the horror”.