Crítica: Felicidade Por Um Fio mostra o lado feio da transição capilar
De um modo realístico e com sensibilidade, o filme consegue casar o psicológico da protagonista com as mudanças no visual
atualizado
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As mulheres de cabelos cacheados entenderão: quem nunca deixou de entrar em uma piscina, ir à praia ou até evitou sair na rua em dias chuvosos? Em Felicidade Por um Fio, novo filme da Netflix, a protagonista, Violet Jones, interpretada por Sanaa Lathan, é o produto de uma família negra de classe média nos EUA. Por causa do medo de sua mãe, de ver a filha não ser aceita em um meio hegemonicamente branco, a menina sempre alisou o cabelo incorporou o hábito ao longo de toda a vida.
Jones tem uma vida perfeita: um emprego prestigioso, um namorado que está prestes a se tornar médico e a linda e meticulosamente preparada cabeleira. Após não ser pedida em casamento pelo companheiro e depois de um acidente no salão de beleza, sua vida começa a se desfazer. Eventualmente, ela percebe estar vivendo uma realidade idealizada, porém não desejada.
Baseada no livro homônimo, de Trisha R. Thomas, a história discute temas que toda mulher de cabelo cacheado conhece bem. Sobretudo, o filme acompanha a transição capilar e psicológica da protagonista.
Em uma cena que poderia ter sido filmada de um jeito cômico ou com tons rebeldes, Violet, bêbada e enfurecida com a traição do ex-namorado, raspa a cabeça enquanto chora. Essa é uma das sequências mais poderosas do filme, mostrando os anos de frustração acumulada.
A transição começa, geralmente, com o big chop (grande corte, em português): quando a parte alisada do cabelo é cortada e a pessoa adota um penteado curto. Outra opção é transicionar aos poucos, uma estratégia que requer muita paciência. A relação entre mulheres e seus cabelos vem sendo debatida desde a “revolução dos cachos”, há alguns anos. Nesse contexto, o filme busca retratar como a psique da protagonista muda ao longo de sua transição capilar.
Até o pai de Violet, Richard (Ernie Hudson), reconhece: quando ela raspou o cabelo, não foi uma ação repentina, mas uma resposta a sentimentos internalizados ao longo de anos. Além de mostrar as complicações que chegam na vida adulta, o filme faz questão de explicar: a maioria dos pais negros nos Estados Unidos alisava e mantinha os cabelos de seus filhos bem-cortados por medo do racismo.
Uma das melhores personagens é Zoe (Daria Johns), a filha do dono do salão de beleza (Lyriq Bent) onde Violet sofreu um acidente capilar. Embora seja apenas uma criança, ela vira uma inspiração para a protagonista, sendo criada para amar seu cabelo em vez de odiá-lo. A liberdade que Zoe sente é a mesma desejada por Violet.
Embora grande parte de sua transição tenha sido baseada na aceitação que ela procura nos homens com quem se relaciona, o filme acaba sendo mais realístico na luta de mulheres em busca da inspiração para essa mudança.
Avaliação: Muito bom