“A Lei É para Todos” e além: anotações sobre um cinema ufanista
Filme sobre bastidores da Lava Jato junta-se a outras três produções recentes que celebram lei, ordem e progresso
atualizado
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Um dos períodos mais conturbados da história da vida política brasileira reverbera nas telas de cinema. De 2015 para cá, certas produções encontram no thriller político (“Polícia Federal: A Lei É para Todos” e “Real: O Plano por Trás da História”) e no filme de ação policial (“Operações Especiais” e “Em Nome da Lei”) os atrativos para fabricar um país alternativo, bem diferente do que vivemos. Aparentemente justo e honesto, um tanto autoritário, meio policialesco, um bocadinho careta, deveras conservador.
Nessa terra utópica, policiais (civis ou federais), juízes e até economistas (afinal, a convulsão que vivemos também é financeira, fecha postos de trabalho, frustra carreiras e sonhos) representam o que diretores e produtores consideram o melhor do Brasil.
Cada um dos personagens também negocia ideias tortas de justiça, lei, ordem e progresso. E o pior: esses filmes sequer são capazes de embalar seus assuntos (cotidiano da PF, Lava Jato, Plano Real, segurança pública) em entretenimento minimamente razoável, bem feito, assistível.
O nacionalismo em quatro capítulos
“Polícia Federal: A Lei É Para Todos” estreou em 7 de setembro, dia de bandeiras desfraldadas e desfiles militares. Descortina a força-tarefa da Lava Jato a partir de um grupo de heróis sem capa que carregam fardos tão pesados (vigiar e punir, investigar e corrigir, proteger e servir, contra tudo e contra todos) quanto os de Batman na sempre corrupta e nefasta Gotham.
Alguns meses atrás, o economista Gustavo Franco (Emílio Orciollo Netto) tratava mal a namorada (Paolla Oliveira) enquanto liderava uma coalizão de engravatados para tirar o país da lama e fundar uma nova moeda.
“Real: O Plano por Trás da História”, outro thriller político capenga inspirado em fatos nacionais, enfileira caricaturas reducionistas de políticos (não que eles não mereçam, mas comédia involuntária não é lá muito bem-vinda em filmes que se dizem sérios, né?) e um calhamaço de frases feitas (“precisamos salvar o Brasil!”).
Em 2016, Moro ganhou o que se pode classificar como cinebiografia não oficial. “Em Nome da Lei” segue um juiz federal (Mateus Solano) destacado para desmontar o crime organizado na região de fronteira do Brasil com o Paraguai. Lá pelas tantas, eis que retorna Paolla Oliveira, agora no papel de uma promotora incansável, novamente reduzida a acessório romântico. (Sim, além da visão torta de mundo, vem no pacote uma misoginia nada discreta aqui e em “Real”.)
Em “Operações Especiais”, Cleo Pires incorpora uma recepcionista de hotel que se reinventa como policial civil. A mais nova defensora da lei se junta a outros agentes em uma missão que pretende moralizar uma cidadezinha fictícia no interior do Rio de Janeiro. Em certo sentido, funciona como caçula de “Tropa de Elite”, já que aos poucos os problemas de segurança pública se filiam à podridão de políticos nefastos.
Dos quatro longas citados, “Operações” ao menos funciona parcialmente como cinema de gênero, ainda que algumas boas cenas de ação, fotografadas pela uruguaia Barbara Alvarez (“Que Horas Ela Volta?”), sejam sufocadas pelo roteiro desconjuntado nas sequências de planejamento e nas sugestões de conspiração política.
A “ousadia” desses filmes se resume a entregar o que as pessoas não veem nos noticiários jornalísticos. E daí? É um cinema popular (mas para qual público?) incapaz de fabular sobre a realidade e completamente aprisionado em versões anômalas de um Brasil em depressão.
Não serve nem como “entretenimento que diverte, mas informa”, já que as tramas mal conseguem desenvolver direito as próprias ideias – que dirá comunicá-las de forma envolvente – ou tornar os personagens críveis, autênticos. O “melhor” exemplar desses supostos manifestos anticorrupção, “Operações Especiais”, funciona como mero decalque de thrillers hollywoodianos pouco sofisticados.
Na falta de recursos artísticos para atrair o público, os filmes recorrem ao cômodo e oportunista ufanismo em tempos de crise, de brados isolacionistas de orgulho nacional à esperança nutrida pela combinação de verde e amarelo. Não custa lembrar: por trás do “eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor” talvez se esconda um massacrante 7 a 1.