Sombra do doping acompanhará carreira de Maria Sharapova
Flagrada em exame durante o Aberto da Austrália, tenista russa perde patrocinadores, fica marcada entre os colegas de esporte e mancha a própria história
atualizado
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Quando Maria Sharapova reuniu a imprensa para uma coletiva-surpresa num auditório de um hotel de Los Angeles, marcada às pressas na última segunda-feira, a expectativa era de que pudesse anunciar sua aposentadoria das quadras. Afastada de competições oficiais desde janeiro, após a disputa do Aberto da Austrália, a tenista russa há anos carrega uma contusão crônica no braço direito que vem minando seu jogo e obrigando que ela dispute cada vez menos e menos torneios ao longo da temporada.
Ela bem tentou rir da desgraça e fazer piadinha com a situação. “Não, não vou anunciar o fim de minha carreira aqui em um hotel como esse, com esse carpete puído”, ela brincou, insistindo que voltará ao circuito. Pode até voltar. Mas, em larga escala, a carreira de Maria Sharapova, a mais bem paga esportista mulher do mundo, chegou ao fim naquela tarde de segunda-feira, numa coletiva de imprensa marcada às pressas em um hotel com o carpete puído.
Pega em um exame antidoping durante o Aberto da Austrália, Maria Sharapova, sétima tenista do ranking mundial, agiu rápido e marcou essa coletiva para se antecipar ao anúncio oficial da Associação de Tênis Feminino (WTA). Admitiu o uso de uma substância química chamada meldonium. Disse que há dez anos toma continuamente o remédio, elaborado por um laboratório da Rússia, embora viva nos Estados Unidos, país onde esse medicamento nunca foi aprovado pelas autoridades sanitárias. E assumiu a culpa pelo doping, explicando que o meldonium só entrou na lista de substâncias proibidas em dezembro passado, e que irresponsavelmente negligenciou o informe oficial dando conta desse acréscimo. “O meu corpo é meu e sou a única responsável pelo que coloco dentro dele”, concluiu, assumindo de público seu erro.
Ao longo da semana, no entanto, a versão de Maria Sharapova foi se desgastando pelo surgimento de novos fatos. Criado para melhorar a circulação sanguínea, o meldonium evidentemente também tem impacto sobre o desempenho físico de um atleta. Maria disse que não tomava o remédio para isso, não. Tomava apenas para manter sob controle um quadro limítrofe de diabetes. Mas representantes do laboratório não tardaram a explicar que o meldonium, para esse fim, deve ser tomado por quatro ou cinco semanas apenas. Não continuamente por dez anos. E logo pipocaram outros casos de esportistas da Rússia e da Geórgia que recorrem ao uso pouco ortodoxo do remedinho para obter vantagens indevidas.
E a WTA, por sua vez, garantiu não ter anunciado a exclusão do meldonium apenas em uma única carta oficial. Teriam sido cinco diferentes informes, ao longo dos últimos meses, todos reiterando que, a partir de janeiro, os exames não o tolerariam mais. Dick Pound, ex-presidente da Wada, a agência internacional antidoping, definiu a atitude de Maria como “negligência deliberada”. Ou seja, para ele, Maria Sharapova simplesmente pagou para ver se a pegavam.
Reparação
Pegaram. E, ao longo da semana, começaram a cair seus patrocinadores. A Nike, fabricante de materiais esportivos, a Tag Heuer, de relógios, e a Porsche, de automóveis, roeram a corda e anunciaram – uma por uma – o desligamento de Maria Sharapova. Enquanto representantes da Head, fabricante de raquetes, vieram a público dizer que estão dando à sua contratada o “benefício da dúvida”.
Algumas dessas marcas acompanham Maria desde que ela surgiu como estrela em ascensão, ainda adolescente, e estiveram ao lado dela na conquista de cinco grand slams. Os cortes, tão ligeiros neste momento, certamente foram dolorosos e humilhantes para uma esportista de renome internacional que enxerga o mundo dos negócios como uma extensão de sua carreira. Em recente entrevista para a revista americana Vanity Fair, Maria tinha dito que, daqui alguns anos, não pensa em seguir no esporte como técnica ou como comentarista. Pensa em se tornar uma mulher de negócios em tempo integral. Vale lembrar que ela criou a marca de doces Sugarpova há alguns anos e que vem ampliando a franquia através de design de moda e de artigos esportivos.
Nos próximos dias, a WTA deve anunciar a pena que toca a Maria Sharapova. A atleta, que completa 29 anos de idade em abril, pode pegar até um ano de exclusão das quadras, se a entidade quiser aproveitar a oportunidade para afastar a imagem de leniente com seus popstars. Essa fama historicamente acompanha os dirigentes do tênis e ganhou força com a revelação feita por Andre Agassi, em sua autobiografia, de que ele teve exames positivos acobertados pelas entidades oficiais em troca de singelas promessas de que não vacilaria novamente.
De toda forma, seja a pena máxima (um ano) ou a pena mínima (quatro meses), o peso de qualquer sanção oficial sobre Maria Sharapova soa neste momento como o menor dos males que ela terá de enfrentar. Afinal, uma pena assim pode perfeitamente ser cumprida e logo Maria retornaria ao circuito profissional e aos negócios. Resolvido.
Voltar ao vestiário, no entanto, não é tão simples quanto voltar às quadras. Maria Sharapova, por sua postura pessoal e suas atitudes francamente competitivas, nunca gozou de simpatia irrestrita entre os jogadores. E agora pode ser vista simplesmente como uma traidora. Uma pária.
Serena Williams, por exemplo, aproveitou a semana para garantir que nunca na vida tomou qualquer tipo de substância ilegal. David Murray foi mais claro. Disse esperar por sanções imediatas. Fernando Meligeni, ex-tenista e atual comentarista, se estendeu sobre o tema no Instagram. “Que triste uma tenista que movimenta tanta gente, incentiva tantos adolescentes, ser pega no doping”, escreveu. “O que realmente importa, e apenas digo isso porque estive dentro dessas discussões, é que ela tem que ser punida como se puniria uma menina com 1 ponto na WTA.”
Agora já era. A biografia de Maria Sharapova, uma das mais brilhantes atletas de uma geração especialmente brilhante do tênis mundial, carregará para sempre este triste capítulo. Que ele não se revele como o triste epílogo.