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Na Papuda, há mais casos de Covid-19 que em 19 cidades do DF

No DF, 1 em cada 73 pessoas foi infectada. Em celas candangas, proporção é de 1 a cada 15 presos. Faz ideia do que é estar preso com corona?

atualizado

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Gláucio Dettmar/ag.CNJ
Papuda
1 de 1 Papuda - Foto: Gláucio Dettmar/ag.CNJ

Aviso ao leitor: se você acredita que “bandido bom é bandido morto”, não se dê ao trabalho de ler essa crônica. Você vai se aborrecer muito. E não adianta me xingar, porque não leio nada que ultrapasse a linha divisória que separa a civilização da barbárie.

Mas se você acredita que o preso tem direito à vida e ao tratamento digno no cumprimento da pena pelo crime cometido, continue a ler.

A Papuda tem mais presos contaminados que 19 das cidades do Distrito Federal. A quantidade de detentos e de policiais penais contaminadas pelo corona é maior do que o número de pessoas livres em São Sebastião, no Riacho Fundo I, no Recanto das Emas, no Itapoã, no Sudoeste – cidades que cito como exemplo. É quase igual aos casos confirmados em Planaltina e no Guará.

Vale esclarecer que chamo de Papuda o complexo de seis unidades penitenciárias do DF, quatro delas instaladas na antiga fazenda que tem o nome de uma mulher que tinha bócio.

A proporção

De acordo com o balanço dessa sexta-feira (26/06), 1.286 detentos estão contaminadas no sistema penitenciário da capital. E o número de policiais infectados chega a oito. A quantidade de presidiários doentes é muito maior do que a de servidores. Não poderia ser de outro modo.

Nas penitenciárias do DF, a Covid-19 é uma pandemia cinco vezes mais pandêmica do que do lado de fora das grades. Se no quadrado, um em cada 73 brasilienses está contaminado; nas cadeias, um em cada 15 pegou o vírus, segundo dados oficiais.

Escrevo essa crônica num escritório de 7,5 metros quadrados, pequeno, mas bem maior do que os quartos de empregada dos apartamentos nobres do Plano Piloto. Há uma janela aberta para a rua, um pé de cactos ao alcance da minha mão. São quase nove horas da manhã desse sábado (27/06). Vejo, acima dos telhados das casas, um clarão de Sol sem nenhuma nuvem, ouço o latido de um cão e o cantar de muitos passarinhos e maritacas.

Imagino esse escritório sem janela, com a porta trancada e ao meu lado três ou quatro ou cinco pessoas. Já nem sinto mais enfado e impaciência pelos tantos dias em isolamento. Sinto angústia, aflição, desespero, pânico. Como se cada um dos meus colegas de prisão fosse o coronavírus em pessoa e eu o coronavírus de cada um deles.

Capacidade apocalíptica

No país com um dos sistemas penitenciários mais desumanos do mundo, o novo coronavírus encontrou o lugar perfeito para mostrar a que veio. Um vírus com apocalíptica capacidade de desnudar toda a perversidade do mundo que construímos em 200 mil anos de existência do homo sapiens, coletiva e individualmente.

Um amigo me disse, dias atrás, que o ser humano tem uma admirável e ao mesmo tempo pusilânime capacidade de se adaptar a tudo. A se resignar com o que não pode mudar ou com o que exigiria atos extremos para que houvesse mudança.

E só tenho perguntas: que humano eu seria se estivesse na Papuda e não no meu quartinho-escritório com vista para o telhado, o cão, o passarinho e o Sol? Eu só saberia se estivesse lá, é só assim que a gente sabe da gente, quando vive o que antes teoriza, supõe, indaga, julga, condena, blasfema.

O que peço, do pouco que peço, é que eu me comporte de um modo minimamente digno em qualquer situação que exija de mim aquilo que não sei sobre mim.

E me pergunto: o que se passa na cabeça de um preso nesses tempos extremos? Que humanidade sobrevive nele?

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