Quem é Henrietta Lacks e por que ela será homenageada pela OMS
Americana “imortal” teve as células do seu tumor retiradas e reproduzidas sem consentimento nos anos 1950, e só agora será reconhecida
atualizado
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Nesta quarta-feira (13/10), a Organização Mundial de Saúde (OMS) irá homenagear uma mulher chamada Henrietta Lacks. Falecida em 1951, aos 31 anos, vítima de um câncer de colo do útero agressivo, a americana fez uma contribuição importante à ciência — ainda que sem consentimento ou reconhecimento.
A mulher foi tratada no hospital Johns Hopkins, em Baltimore, nos Estados Unidos, e algumas células cancerígenas foram coletadas pelos médicos para testes. As partículas de Henrietta mostraram capacidade de sobreviver e se reproduzir muito acima do normal, e algumas amostras foram distribuídas para pesquisadores sem informar a paciente.
O tumor de Henrietta era bastante agressivo: ela foi diagnosticada em janeiro, hospitalizada em agosto, e faleceu em outubro. A americana foi enterrada em uma cova sem identificação em um cemitério particular — apenas em 2010 ela recebeu uma lápide.
As células do câncer de Henrietta se tornaram a primeira linha imortal do mundo, se multiplicando infinitamente em laboratório. Elas foram produzidas em massa (mais de 50 milhões de toneladas métricas) e distribuídas pelo mundo para serem usadas em mais de 75 mil estudos desde então.
As células HeLa, como são conhecidas, foram usadas para desenvolver a vacina do HPV, o imunizante contra a poliomielite, medicamentos contra HIV/Aids, leucemia, doença de Parkinson e hemofilia, além de terem feito parte de estudos em saúde reprodutiva e fertilização in vitro. Elas também auxiliaram pesquisas sobre cromossomos, câncer, mapeamento genético e até na criação das vacinas contra a Covid-19.
Henrietta era uma mulher negra, e a família da americana nunca recebeu qualquer compensação financeira ou reconhecimento pela contribuição dela à ciência e à medicina. O nome dela foi divulgado, assim como o histórico médico e até o seu genoma, levantando questionamentos sobre a privacidade do paciente e racismo.
Reparação histórica
Depois do movimento Black Lives Matter, a comunidade científica decidiu se unir para retificar a injustiça que foi feita com Henrietta. A família dela só quer reconhecimento: “Quero que os cientistas assumam que as células HeLa vêm de uma mulher afro-americana, que era de carne e osso, tinha uma família e uma história”, disse Jeri Lacks-Whye, neta de Henrietta, em entrevista à revista Nature.
Hoje, há discussões sobre a criação de uma lei internacional que obrigue o paciente a dar autorização para uso de seu material em pesquisas científicas antes que as amostras sejam estudadas. Além disso, alguns laboratórios que lucraram com as células HeLa fizeram doações em dinheiro para a Henrietta Lacks Foundation, que junta fundos para os descendentes da americana e familiares de outras pessoas cujos corpos foram usados pela ciência sem consentimento.
Na cerimônia que será realizada pela OMS nesta quarta, o diretor-geral da entidade, Tedros Adhanom Ghebreyesus, irá fazer uma homenagem à Henrietta, reconhecendo sua “contribuição transformadora à ciência médica”. Laurence Lacks, o filho de 87 anos da americana, irá receber uma premiação em nome de sua mãe.