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O prognóstico está longe de ser favorável. De acordo com o Atlas Mundial da Obesidade, metade dos habitantes do planeta estará acima do peso em 2035; entre os brasileiros, 40% estarão obesos.
No atual cenário, a comida in natura, as refeições feitas em casa e as atividades de esporte e lazer ao ar livre estão desaparecendo – estamos comendo cada vez pior e nos exercitando menos. Nesse contexto, reverter o quadro representa um enorme desafio.
Os especialistas em saúde consideram que intervenções políticas são urgentes para diminuir a influência de “ambientes obesogênicos”, ou seja, aqueles que privilegiam as escolhas menos saudáveis. Não existe uma solução única para resolver todos os fatores que contribuem para o desenvolvimento da obesidade, mas há várias frentes a serem trabalhadas.
Em uma série de reportagens publicadas nas últimas cinco semanas, o Metrópoles se dedicou a mostrar por que o Brasil está se tornando um país obeso, como isso impacta a saúde das pessoas e o descaso para o tratamento na rede pública de saúde. Os textos detalharam ainda as pesquisas mais recentes sobre as causas da obesidade e os estigmas que cercam as pessoas com excesso de peso. Mas como vamos resolver esse problema?
“Precisamos de decisões urgentes para conter a explosão da obesidade. Esse é um fenômeno coletivo; logo, as soluções precisam ser pactuadas coletivamente”, afirma a nutricionista Inês Rugani, da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).
O que as crianças comem
Responsável pelo Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (Enani), Inês conta que 10% das crianças com até 5 anos estão acima do peso no Brasil e, entre as mães, o índice alcança 60%. Um agravante: pesquisas mostram que filhos de mães obesas têm mais chances de apresentarem excesso de peso no futuro.
A nutricionista aponta que a obesidade infantil antecipa para a juventude problemas de saúde que costumavam ser vistos apenas em pessoas de meia-idade, como, por exemplo, colesterol alto, hipertensão e diabetes tipo 2.
“Além do sofrimento individual, com as crianças sendo vítimas de bullying e de estigmas, há também uma pressão crescente sobre o sistema de saúde, que precisa lidar com pacientes cada vez mais jovens”, explica Inês.
O público até os 18 anos é considerado estratégico para as ações de prevenção à obesidade. Isso porque, no início da vida, as pessoas ainda estão formando seus hábitos alimentares e são mais sensíveis aos apelos da publicidade e do marketing.
O Instituto Desiderata, organização da sociedade civil (Oscip) dedicada à promoção da saúde infantil, produz evidências para garantir que os gestores públicos não ignorem o assunto. De acordo com pesquisas da entidade, subsidiadas por dados do Ministério da Saúde, o excesso de peso já é uma realidade para três em cada 10 indivíduos com idades entre 0 e 19 anos.
A Oscip trabalha para proibir que chocolates, bombons, chicletes e biscoitos estejam na altura dos olhos de crianças pequenas nas prateleiras dos estabelecimentos comerciais. “A organização de um supermercado resulta de estratégias de venda muito bem pensadas. Precisamos conhecer esse método e intervir”, comenta a nutricionista Carolina Rocha, analista de saúde do Instituto Desiderata.
Outra iniciativa da Oscip é a proibição de alimentos ultraprocessados nas cantinas das escolas. De maneira geral, esse tipo de comida passa por várias etapas industriais e possui alta adição de açúcares, gorduras trans, sódio e conservantes. Já há provas de que os ultraprocessados fazem mal à saúde e há evidências de que podem levar à compulsão alimentar caso sejam consumidos em excesso.
Vários municípios brasileiros já adotam a regra das cantinas, e o Desiderata tem a intenção de nacionalizá-la. “Escolhemos a escola como foco para a prevenção, porque é onde crianças e adolescentes passam mais tempo. Além disso, os hábitos abraçados por estudantes, geralmente, impactam a família inteira”, conta Carolina.
Mudanças nos impostos
Outra frente de batalha contra a obesidade, e talvez a mais discutida, são os impostos. O regime de tributação dos alimentos é tema frequente de debates entre a sociedade civil organizada. A reforma fiscal já foi anunciada como uma das prioridades do governo federal, e os ativistas se mobilizam para tentar emplacar regras que desestimulem o consumo de ultraprocessados e promovam o consumo de alimentos in natura.
“Existem distorções que precisam ser corrigidas. Não é raro que um alimento in natura ou minimamente processado seja mais caro que a opção ultraprocessada”, comenta o economista Arnoldo de Campos que, sob encomenda da ACT Promoção da Saúde, produziu o estudo intitulado “Por que a comida saudável está longe da mesa dos brasileiros?”.
Ele cita como exemplo a disputa pelo consumidor entre o suco de uva integral e orgânico e sua versão industrializada e açucarada. “O alimento de mais qualidade paga mais imposto, o que acaba tornando seu preço proibitivo para boa parte das pessoas”, comenta Campos, que é ex-membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
A proposta da sociedade civil, que conta com o apoio do Ministério da Saúde, está batizada de Reforma Tributária 3S (saudável, sustentável e solidária). A iniciativa defende que haja um tributo federal específico para alimentos ultraprocessados, bebidas alcoólicas, cigarros e agrotóxicos. Assim, a medida visa desestimular a compra de itens que fazem mal à saúde e provocam danos ao meio ambiente.
Os ativistas também reivindicam maior incentivo financeiro – seja por meio de renúncia fiscal ou da concessão de créditos – à agricultura familiar e às feiras livres. A intenção é baratear os custos dos agricultores e, em consequência, os preços de hortifrutigranjeiros. As feiras itinerantes, como pontos de distribuição direta de alimentos ao consumidor, ajudariam a combater os “desertos alimentares”, onde apenas comida de baixa qualidade nutricional é encontrada.
“As regras tributárias atuais beneficiam a indústria de alimentos ultraprocessados. Esse é um dos motivos que faz eles serem mais baratos. Além disso, os agricultores estão mais sujeitos às intempéries e seus produtos estragam mais rápido. A competição é desigual”, comenta a coordenadora de Inovação e Estratégia da ACT Promoção da Saúde, Marília Sobral Albiero.
A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) já apontou a tributação de bebidas açucaradas como uma das medidas de maior custo-benefício para a saúde, capaz de reverter o crescimento da obesidade e das doenças relacionadas à condição. A taxação desses alimentos foi implementada em 73 países e, na América Latina, um exemplo de sucesso é o México, onde o consumo de refrigerantes, néctares e sucos industrializados caiu quase 20% desde o início da regra, em 2014.
A Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir) rebate. Os fabricantes frisam que a relação entre a obesidade e os seus produtos não é direta. De acordo com eles, o consumo de refrigerantes no Brasil vem caindo sem que haja impacto direto nos indicadores epidemiológicos de excesso de peso. Além disso, a taxação das bebidas industrializadas açucaradas corresponde a 36,9%, bem maior que a do México, que é de 28%.
Cesta básica saudável
Outro ponto avaliado como importante pelos ativistas é a composição da cesta básica de alimentos. Por serem considerados essenciais à sobrevivência, os itens merecem um regime de impostos diferenciado, que os torne mais acessíveis às famílias. O problema é que a definição do que vai na cesta básica, feita pelos secretários de Fazenda dos estados brasileiros, nem sempre leva em consideração o que é mais saudável.
“Tem cesta básica com salsicha, nuggets e macarrão instantâneo”, comenta Marília, da ACT Promoção de Saúde. “Nossa reivindicação é que ela seja adaptada ao Guia Alimentar da População Brasileira”, completa a coordenadora da organização não governamental.
Publicado pelo Ministério da Saúde, o guia é um documento considerado referência no combate à obesidade. Entre suas premissas, estão o uso de ingredientes naturais ou minimamente processados, bem como a recomendação de que as refeições sejam preparadas em casa.
A indústria de alimentos reage fortemente ao papel de vilã no contexto da epidemia de obesidade. O principal argumento é científico: não há uma causa única para o excesso de peso. Além da alimentação, também devem ser considerados fatores como funções cerebrais; hábitos de vida, como sono, estresse e sedentarismo; e relação da obesidade com a genética.
“A obesidade é uma doença multifatorial, não há soluções simples. A indústria de alimentos é a favor que o consumidor tenha cada vez mais informações sobre alimentação, dieta equilibrada e quantidade necessária de comida para satisfazer suas necessidades diárias”, afirma João Dornellas, presidente executivo da Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia).
O representante das indústrias destaca os acordos dos fabricantes com o Ministério da Saúde para reduzir açúcar, sal e gorduras trans dos produtos industrializados e os investimentos em pesquisas para diversificar a oferta de alimentos à sociedade. “A indústria alimentícia sempre esteve preocupada com a saúde da população. Investimos em inovação para melhorar constantemente produtos e processos. Além disso, todos os ingredientes usados são aprovados pelas autoridades de saúde”, garante.
Para a Abia, as mudanças na taxação de alimentos vão penalizar a parcela da população mais pobre, que tem o orçamento mais vulnerável. A posição dos fabricantes é que, em vez de “desertos nutricionais”, aumentaríamos os “territórios de fome” nas cidades brasileiras.
Rótulos mais simples
Em meio às disputas, há avanços a serem comemorados. O novo sistema de rotulagem, que passou a vigorar em outubro de 2022, é um deles. As regras melhoram a legibilidade dos rótulos de alimentos e auxiliam os consumidores a fazerem escolhas mais conscientes. “Advertências e informações claras são importantes para nortear compras mais saudáveis. A nova rotulagem abre possibilidades para que as decisões alimentares sejam melhores”, afirma a pesquisadora Renata Bertazzi Levy, da Universidade de São Paulo (USP).
O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que beneficia 70 milhões de alunos da rede pública, é outra conquista. A iniciativa obriga os gestores municipais e estaduais a incluírem frutas, legumes, verduras, carne fresca, leite e grãos no prato dos estudantes. A cultura regional é valorizada com a presença de comidas típicas, como moqueca, cuscuz e arroz carreteiro.
O endocrinologista Bruno Halpern, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), lembra que a solução para o problema da obesidade não é única. As estratégias não são de implementação simples e poucas iniciativas funcionaram no mundo até hoje. Ele defende que é importante encontrar maneiras de prevenir o excesso de peso, sem ignorar o tratamento de pessoas que já estão obesas; nesse sentido, o trabalho conjunto é fundamental.
“Precisamos trabalhar com as indústrias alimentícias, ter aumento de impostos para alimentos pouco saudáveis e subsídios aos vegetais. É necessário melhorar o cardápio da merenda escolar, incluindo mais vegetais e frutas. O estímulo ao exercício físico, a rotulagem bem-feita e a redução da propaganda de alimentos não saudáveis também devem entrar na equação. Para funcionar, precisamos fazer isso tudo junto”, afirma.
O tema é complexo, divide opiniões e envolve interesses diversos, inclusive financeiros. As certezas são que o assunto está na esfera da saúde pública, não pode ser adiado e exige atitudes coletivas e decisões políticas. Da mesma maneira que um paciente não deve ignorar um prognóstico ruim, o Brasil não pode mais fechar os olhos para essa epidemia.
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