Youtuber, PM que jogou homem de ponte dizia “amar” perseguições. Vídeo
Com canal de 300 mil seguidores, “Luan 22M”, como era conhecido, ficou conhecido por publicar vídeos dos chamados “pinotes”
atualizado
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São Paulo — Conhecido na internet como “Felipe 22M”, o soldado da Polícia Militar Luan Felipe Alves Pereira, preso por jogar um suspeito de uma ponte durante ocorrência na zona sul da capital, era influenciador digital e publicava vídeos de perseguições policiais na época em que atuava nas Rondas com Motocicletas do 22º Batalhão Metropolitano. As ações eram registradas por uma câmera acoplada ao seu capacete.
As filmagens dos chamados “pinotes” renderam a Felipe 22M pelo menos 50 mil seguidores no Instagram e mais de 300 mil inscritos no YouTube. Na plataforma, ele chegou a ter vídeos com mais de 1,3 milhão de visualizações.
Os dados são de julho de 2021, quando Luan Felipe concedeu entrevista a dois podcasts. Após a prisão do soldado nessa quinta-feira (6/12), o Metrópoles constatou que o canal havia sido apagado. Não é possível saber quando isso ocorreu.
Mesmo com o canal de Felipe 22M fora do ar, há no YouTube vídeos de pessoas reagindo aos pinotes do policial. “O mergulhador de asfalto” e “Só um raladinho” são nomes de duas postagens feitas com o mesmo vídeo. Nas imagens, é possível ver o policial perseguindo dois suspeitos em uma moto, quando eles acabam caindo.
Assista:
Em um podcast de julho de 2021, Luan Felipe afirmou que seu canal no YouTube teve como inspiração um canal da própria Rocam do Batalhão em que atuava, que também publicava vídeos de abordagens policiais.
Em um outro podcast, do mesmo ano, cujo vídeo foi deletado nessa quinta-feira (6/12) antes da publicação da reportagem, ele afirmou que os pinotes eram sua paixão. “Não consigo entender como tem ‘mike’ que não gosta. É um amor que não dá para explicar”, disse.
Natural de Andradina, cidade próxima à divisa entre São Paulo e Mato Grosso do Sul, o soldado de 29 anos ingressou na PM em 2016. Segundo ele, apesar da boa colocação na prova de seleção, que lhe daria o direito de escolher batalhões mais cobiçados, preferiu o 22º BPM/M, que seria conhecida pela equipe de Rocam.
Quando deixou o 22º BPM, que deu nome a seu canal no Youtube, e migrou para o 24º Batalhão Metropolitano, em Diadema, paralisou temporariamente o canal. As postagens, diz ele, não eram bem vistas pelos superiores.
“Sem esculacho”
No podcast transmitido em julho de 2021, Luan Felipe defendeu abordagens “legalistas” e disse que não havia necessidade de “esculachar” um averiguado, ainda que ele fosse “ladrão”. Segundo ele, se o suspeito se entrega e “escolhe ser preso”, ele vai ser preso.
“A Polícia Militar é legalista, ela vai tratar a pessoa conforme ela quer. Se a gente está patrulhando, e tromba com caráter geral, que é um carro roubado, e o ladrão se entrega e escolhe ser preso, a gente vai pegar e prender ele. Se ele escolhe trocar tiro, a gente vai trocar tiro com ele. A gente não vai voltar morto para casa. A gente tem treinamento para aquilo lá”, afirmou o PM.
“Tem até um ditado na Polícia Militar que é assim, você chega como gatinho e se for preciso sai como leão. Você não pode chegar como leão e sair como gatinho. A gente chega calmo e ‘coloca a mão para a cima’, revista o cara, vê o que ele tem, troca ideia. Se o cara está normal, trocando ideia na educação, não tem porque esculachar o cara, levantar os panos para o cara. O cara pode ser ladrão, ter artigo. Se o cara está ali, na disciplina, não está devendo mais nada, não tem porque você ficar xingando o cara”, acrescentou.
Assista:
Em depoimento à Corregedoria da Polícia Militar na última terça-feira (3/12), Luan Felipe disse que, no caso em que jogou um homem de uma ponte na madrugada de segunda-feira (3/12) em Cidade Ademar, sua intenção era somente “levantar do chão” a vítima.
Na decisão pela prisão preventiva, obtida pelo Metrópoles, o juiz substituto da Justiça Militar de São Paulo, Fabrício Alonso Martinez Della Paschoa, menciona o depoimento do soldado Luan Felipe ao órgão fiscalizador da PM.
Questionado sobre a autoria do crime, Luan Felipe admitiu ter “projetado” o rapaz, mas que isso “seria realizado no solo”, sem a intenção de arremessá-lo ponte abaixo. Os argumentos dele, porém, não convenceram a Corregedoria.
“Não há como acolher as declarações apresentadas pelo investigado, pois as imagens largamente difundidas e materializadas no presente feito demonstram conduta errante e inaceitável a quem deveria proteger a integridade de outras pessoas e fazer cumprir a lei”, argumenta o órgão.
Troca de tiros
No mesmo podcast, Luan Felipe deu detalhes sobre uma ocorrência em que um suspeito foi morto em Americanópolis. O soldado descreve o desespero que sentiu durante a perseguição e comemora: “Graças a Deus ele não vai matar mais ninguém”.
“Graças a Deus ele não vai matar mais ninguém. Nesse dia foi foda. No momento que você está tomando tiro, se você tiver a oportunidade de atirar você atira. Só que em cima da moto, eu sou destro, se eu sacasse a arma para atirar, ia perder o cara de vista. Então eu preferi manter uma distância do cara para que dificultasse a questão do tiro e consegui acompanhar ele”, afirma.
De acordo com a descrição do policial, não fica claro se foi o ele o responsável pelo disparo que matou o suspeito.
“A gente trombou com essa moto. Durante o acompanhamento o indivíduo efetuou um disparo. Nessa hora, vou falar para você, só Deus. É um desespero… O cara deu tiro de uma viatura de RPM, robou para caramba no Jardim Miriam, deu tiro no Bombeiro e deu tiro na Rocam. Se o cara está dando tiro na polícia, imagina em um civil se resistir a um assalto. A gente conseguiu deter esse cara”, disse.
11 tiros em “legítima defesa”
Luan Felipe Alves pereira já foi indiciado por matar um motoqueiro, com 11 tiros, em 26 de março do ano passado.
Na ocorrência, cujo processo foi extinto em janeiro deste ano, a versão de Luan, que alegou legítima defesa, foi aceita pelo Ministério Público (MPSP) e Tribunal de Justiça (TJSP) paulistas.
À época, em depoimento à Polícia Civil, o soldado afirmou que patrulhava o bairro Piraporinha, em Diadema, na Grande São Paulo, juntamente com um parceiro das Rondas com Motocicletas (Rocam), quando se depararam com Maycon Douglas Valério, de 31 anos, que guiava sem capacete e sem camiseta uma moto.
Após ordem de parada que não foi obedecida, Maycon teria desembarcado da moto e seguido fugindo a pé. Luan também deixou a viatura e correu atrás do suspeito.
Em uma viela, segundo registrado pela câmera corporal do soldado, Maycon deixou cair um revólver no chão.
O suspeito tentou pegar a arma e foi alvo de 12 tiros, dos quais 11 o atingiram no peito e na face. Um laudo da Polícia Técnico-Científica mostra que há somente um ferimento, no lado esquerdo do pescoço, resultante de dois tiros, que transfixaram e saíram pelo rosto do suspeito. O próprio soldado Luan afirmou ter dado 12 tiros para revidar a “injusta agressão” de Maycon.