Vizinhança de Senna em SP revela histórias do piloto além das pistas
Vizinhos de quatro casas onde Ayrton Senna viveu em SP dizem que locais viraram ponto de peregrinação e contam histórias da vida dele em SP
atualizado
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São Paulo — A relação de Ayrton Senna com São Paulo vai muito além do “S” no Autódromo de Interlagos, na zona sul, e o que não falta é gente que conviveu com o piloto para contar quem era o tricampeão mundial de Fórmula 1 fora das pistas. Antigos vizinhos e até quem vive em casa onde ele morou dizem que os locais se tornaram pontos de peregrinação de fãs e contam como era a relação para além do automobilismo.
Na última semana, a série sobre o piloto virou a mais vista em língua inglesa na Netflix. Soma-se a isso os 30 anos da morte de Senna, relembrados em 1º de maio. O resultado é que, décadas depois, ainda há um grande número de pessoas celebrando a trajetória do homem que foi símbolo de vitória e morreu na curva Tamburello, em Ímola, diante das câmeras de TV.
Vários lugares de São Paulo remetem a Senna, mas é na zona norte que estão os resquícios de uma vida feliz na infância e na juventude, antes de se tornar ídolo nacional. O Metrópoles visitou, na última quinta-feira (12/12), quatro casas onde o piloto viveu, em bairros como Tremembé e Santana.
A professora aposentada Virginia Bertini, 71 anos, era um pouco mais velha que Senna, mas via o então garoto brincando na Rua Aviador Gil Guilherme, em Santana, onde viveu seus primeiros anos. Depois, ele passou a visitar o local com frequência, porque era lá que morava a avó.
“Era um garoto normal, mas ele era vidrado em carro, em automobilismo. Gostava de todas as formas. Começou com os karts e foi crescendo. Tinha uma paixão muito grande”, disse. “Acho que nasceu para isso, porque foi sensacional a vida inteira”, afirmou.
A casa hoje não existe mais. No lugar, há um galpão pintado de preto, onde funciona uma empresa, na esquina com a Avenida Santos Dumont. Segundo a professora, antigamente a Aviador Gil Guilherme virava uma rua de lazer e Senna brincava com seu kart, levando consigo até as outras crianças.
A professora tem boas lembranças não apenas de Beco, como era o apelido do piloto. A família também era fora de série, segundo ela. “A gente gostava, admirava. Foram vizinhos muito bons”
A segunda casa de Senna na zona norte fica ao lado do Mirante de Santana, na Rua Condessa Siciliano. A proprietária não estava no local na tarde da última quinta, mas pessoas próximas dizem que as visitas eram permitidas até o início deste ano. Também soube que houve propostas para que o local fosse tombado ou recebesse ao menos uma placa com indicação de que o piloto viveu por lá, mas a ideia não prosperou.
Segundo vizinhos, muita gente ainda procura o local para saber se, de fato, foi ali que Senna viveu grande parte de sua infância, até os 12 anos.
Boas lembranças
A terceira casa do tricampeão mundial é, possivelmente, aquela onde as recordações dos vizinhos estejam ainda mais vivas. Senna passou a viver na Rua Pedro, no Tremembé, local procurado na época pelas famílias mais abastadas da zona norte paulistana — o pai de Senna, Milton, foi muito bem-sucedido com sua empresa de peças automotivas. O ponto era considerado tão elegante que ganhou até apelido em inglês, “Peter Street”, segundo moradores da região.
A família do comerciante Roman Popescu Junior, 63 anos, era tão próxima de Senna que seu irmão, Alfredo, virou até procurador do pai do piloto. “Mirtão” tratava os irmãos Popescu como se fossem seus filhos, tanto nas broncas quanto nos afagos. A relação sempre foi de proximidade, porque os adolescentes tinham todos a mesma faixa etária.
Os olhos de Roman brilham ao contar sobre o amigo que foi embora cedo demais. Diz que é capaz de brigar, se aparecer alguém por lá para falar mal de Senna. “Se perguntar ‘tive um amigo na vida?’ Tive. O Becão [Senna] era o nosso amigo. Ele, o Léo, irmão dele, a Viviane [irmã]. O pai e a mãe deles, então, nem se fala”, diz.
Roman contou que o piloto passava as vésperas de corrida até tarde acertando o próprio kart, enquanto comia bananas, na garagem da casa onde também cabiam as duas Mercedes de seu Milton. Depois, saía pelas ruas do bairro, acelerando forte e fazendo barulho. “Ele fazia os karts dele funcionar e os vizinhos ficavam loucos. Punha o kart na rua às 20h, 21h para ver se estava bom”, disse.
A rua é bastante inclinada e faz qualquer um que já foi moleque e andou de carrinho de rolimã imaginar como seria descer a toda por lá. Apaixonado por velocidade, Senna também deixava o motor de lado para brincar com os amigos de adolescência ladeira abaixo sobre as rodinhas de metal.
Da Rua Pedro vêm também as lembranças dos primeiros namoros e Roman disse que Senna era o preferido das garotas. “Era o galã”, contou. Mas também havia muita travessura. Ele e os amigos costumavam soltar bombinhas em uma rua escura, perto da Pedro, para assustar casais apaixonados que buscavam um pouco de “privacidade”.
O dia da morte de Senna não sai da memória de Roman. O irmão Alfredo recebeu a ligação da Itália sobre a gravidade do acidente, foi até a então nova casa da família do piloto, distante cerca de um quilômetro, e tomou as providências necessárias. “Meu irmão levou o seu Milton para a fazenda, para ficar incomunicável. Lá, ele ficou sabendo o que todo mundo soube”, disse. “Igual ao cara, não existia. Só faz falta”, afirmou.
Energia boa
A nutricionista Analice Pereira de Morais Fortunato, 40 anos, mora há 20 na casa da Rua Pedro, onde o piloto viveu do início da adolescência à juventude. Eles não chegaram a se conhecer, mas ela não esconde o orgulho de estar próxima da história de Senna de alguma maneira. “Um ídolo do tamanho do Senna ter morado aqui. É uma sensação muito boa, muito gostosa e traz muitas recordações também”, afirma.
Segundo Analice, é comum ver fãs diante da casa tirando fotos. “Muitas pessoas param, fotografam, pedem se podem entrar”, afirmou.
A nutricionista disse que a série sobre o piloto deve colaborar para aumentar a busca pela casa entre os fãs e que até um parente do piloto já pediu para conhecer o local. “Essa casa carrega uma energia muito boa, porque aqui viveram pessoas incríveis, e uma delas é o Senna”, disse.
Nova Cantareira
O tempo passou e Senna se mudou para uma mansão gigantesca, de muros altos, na Avenida Nova Cantareira. Hoje aposentado, Luiz Mendes, 75 anos, conta que saía cedo para trabalhar e, como o piloto também não ficava muito no Brasil, não foi possível estabelecer uma relação mais próxima. “Meu pai conhecia o pai dele. Quando ele passava, cumprimentava, mas não tínhamos uma amizade mais firme”, disse
Apesar disso, a trajetória de Senna na Nova Cantareira deixou marcas profundas e algumas lembranças inesquecíveis na vida de Mendes, como quando a avenida parou para ver o piloto após a primeira vitória no GP Brasil, em 1991.
O dia da morte do vizinho famoso também não sai da memória do aposentado. Ele conta que cavalgava por Mairiporã, parou para dar água ao cavalo e viu na TV a notícia da morte. Também se recorda da Avenida Tiradentes, na região central, lotada de fãs saudando o caixão no caminhão do Corpo de Bombeiros. “Eu era um deles”, disse.