Vídeos com Marçal circulam no TikTok europeu mesmo proibidos por rede
Pesquisadora da UFRJ diz que anúncios de Marçal encontrados no TikTok da Europa sugerem tentativa de burlar lei brasileira
atualizado
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São Paulo — Pesquisadores do NetLab, laboratório de pesquisa da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), identificaram 108 anúncios do candidato à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal (PRTB) circulando pelo TikTok e em outras plataformas em países da Europa.
A prática contraria a política da própria plataforma, que proíbe o patrocínio de propagandas políticas no Brasil e no exterior, e pode indicar uma estratégia digital para burlar as regras eleitorais brasileiras. De acordo com informações do levantamento do NetLab, publicadas inicialmente pela Folha de S. Paulo e confirmadas pelo Metrópoles, foram identificados anúncios em países como Portugal, Espanha, Reino Unido, Bélgica e Alemanha.
Essas peças, veiculadas tanto durante o período de pré-campanha como de campanha, continham cortes de vídeos de Marçal, propaganda política, venda de serviços relacionados ao candidato e campanhas para estimular os usuários a produzir e publicar cortes do influencer. Os pesquisadores procuraram informações de todos os candidatos, mas só encontraram patrocinados que promoviam Pablo Marçal.
A professora Marie Santini, que preside o laboratório, explicou ao Metrópoles que o material foi identificado graças à legislação da União Europeia, que obriga que as plataformas a prestarem contas sobre esse tipo de anúncio.
No Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral publicou uma norma em março que obriga as plataformas a obedecer uma regra semelhante para anúncios políticos. O TikTok, contudo, informou que não permitiria essa prática e, por isso, não abriria sua biblioteca de patrocinados. Assim, Santini explica que, no Brasil, não é possível ter certeza se os candidatos estão pagando patrocinados pela plataforma.
“A gente só está conseguindo ver porque a Europa obriga o TikTok a ter um repositório dos anúncios. Não significa que esses patrocinados estejam circulando só na Europa, mas lá é o único lugar no mundo onde é possível verificar isso. Essa é a ponta do iceberg de algo que deve estar acontecendo em vários lugares”, diz.
“A gente não tem transparência da maior parte das plataformas no Brasil, então a gente não tem ideia se isso está acontecendo aqui ou não. Já havíamos identificado isso no Google, no TikTok e agora estamos levantando no LinkedIn, o que mostra que as plataformas não estão conseguindo controlar esses anúncios”, afirma Santini .
A pesquisadora formulou quatro hipóteses para explicar a existência desses patrocinados no exterior. A primeira delas é a possiblidade de os anunciantes usarem a veiculação fora do Brasil como uma forma de burlar a moderação automática das plataformas. “Quando você coloca em vários países, é possível que o anúncio seja liberado.”
Manipulação do algoritmo
A segunda hipótese é de que esses anúncios sirvam para manipular os algoritmos para que eles favoreçam as publicações com Marçal no Brasil. “Quando um anúncio é patrocinado, o algoritmo recebe um comando [alertando] que aquele conteúdo é mais relevante que outro. Nós identificamos usuários que pagam esses patrocinados no exterior e, depois, os replicam aqui no Brasil. Esse anúncio [no exterior] ajuda a alavancar o mesmo conteúdo no orgânico [no Brasil]”, diz a professora.
Também é considerada a possibilidade de que essas campanhas sejam uma forma de testar determinados conteúdos antes de publicá-los por aqui: “Quando você patrocina, recebe uma série de métricas do alcance daquele conteúdo. Então isso acaba servindo também como um parâmetro de teste e indicador para a campanha”.
Por fim, Santini acredita que os patrocinados sejam uma forma de recrutar pessoas para fazer cortes nos vídeos em que Marçal aparece. Dos 108 anúncios identificados, oito convocavam os usuários a produzirem esses cortes em troca de dinheiro. “É possível que essa seja uma estratégia de burlar a lei brasileira e continuar comprando cortes fora do Brasil, de fazer com que esse conteúdo continue circulando”, completa a professora.
Perfil suspenso
Em agosto, a Justiça Eleitoral determinou a suspensão do perfil de Pablo Marçal no Instagram, X, TikTok, Discord e YouTube por considerar que concursos de cortes promovidos pelo candidato configurariam abuso de poder.
Em relação ao mapeamento da NetLab, os pesquisadores identificaram que 61 anunciantes foram responsáveis pelo patrocínio dos conteúdos. De acordo com o laboratório, não foi identificado nenhum conteúdo fraudulento ou com indícios de golpes. Além disso, em apenas um anúncio foi identificado o uso de ferramentas de inteligência artificial.
O Metrópoles procurou a campanha de Marçal para comentar os apontamentos da pesquisa do NetLab, mas não obteve retorno. O espaço está aberto para manifestação.
Em nota, o TikTok informou que os anúncios foram removidos. “A maioria deles não havia sido veiculada no Brasil ou não tinha natureza de propaganda política paga”.
A empresa ainda ressaltou que suas políticas deixam claro que não é permitida propaganda política paga, publicidade política ou arrecadação de fundos por políticos e partidos políticos. “Nós trabalhamos para identificar e remover todos os conteúdos que violam nossas políticas”, diz a nota. “Todo e qualquer conteúdo impulsionado ou anúncio é identificado na plataforma a partir de um rótulo automático”, explica o texto.