Vereadora do PSol vê erros de Boulos e prevê clima “bélico” na Câmara
Aliada de Boulos, a vereadora Luana Alves (PSol) diz que esquerda precisa se atentar mais às novas realidades do trabalhador
atualizado
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São Paulo — Primeira mulher negra reeleita vereadora da capital paulista, Luana Alves (PSol) se prepara para o segundo mandato mesmo sendo alvo de um processo de suspensão articulado por parlamentares governistas. Aliada de Guilherme Boulos (PSol), ela reconhece ao Metrópoles falhas na campanha que resultou na derrota à Prefeitura e espera embates mais tensos na Câmara Municipal em 2025.
Com 83,2 mil votos, Luana foi a 8ª vereadora mais votada nestas eleições. Aliada de Boulos e atuante na campanha dele, afirma que a versão moderada do ex-líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) para atrair eleitores mais ao centro custou “o voto de protesto” ao psolista: “Isso gera mais desconfiança do que apoio”, avalia.
Na visão de Luana, as pautas identitárias devem ser mantidas pela esquerda, mas as lideranças precisam se atentar mais às novas realidades do trabalhador brasileiro. “Precisamos batalhar para ter uma política real para os trabalhadores informais”, observa.
Apesar de a maioria dos vereadores eleitos para o próximo ano apresentar um perfil mais à direita, Luana concorda que os novos quadros de esquerda serão mais combativos do que alguns deputados petistas que não conseguiram se reeleger.
Ela também comenta uma denúncia que busca afastá-la por 90 dias de seu mandato por ter discutido com a vereadora Rute Costa (PL) por causa da presença de crianças na Parada LGBTQIA+. Rute acusa Luana de calúnia e quebra de decoro parlamentar, enquanto a psolista afirma que a colega foi homofóbica.
“Me parece algo vindo do [prefeito] Ricardo Nunes, porque já percebi desconforto de outros vereadores da base, que não acham que é o caso [de pedir cassação]”, diz.
Confira a entrevista da vereadora Luana Alves ao Metrópoles:
A Câmara elegeu mais vereadores de direita, mas caminha para uma polarização maior. O que espera da próxima legislatura?
Os acordos que Ricardo Nunes (MDB) fez para as eleições o deixaram em dívida com o bolsonarismo e com um grupo mais à direita, ligado ao Tarcísio [de Freitas]. Infelizmente, espero por aí mais projetos reacionários, como a militarização das escolas, a privatização da gestão de escolas e projetos que vão retroceder na questão ambiental, na educação e aprofundar em privatizações. Vem aí uma tropa de choque bolsonarista que estamos muito dispostos a enfrentar. A bancada do PSol, mesmo numa disputa muito desleal de fundo eleitoral, de tempo de TV e de rádio, é uma bancada que não diminuiu, pelo contrário: dentro da federação a gente tem mais uma cadeira [da Rede]. Mesmo nesse contexto difícil, a proporção na casa se mantém. Na prática, o Nunes tem uma maioria, mas a gente não vai deixar nada passar com tranquilidade.
Mas em relação aos embates entre os vereadores, você espera um clima mais bélico?
Espero um clima mais bélico, principalmente porque teve gente que se elegeu especificamente sobre pauta LGBTfóbica, sobre pauta racista, e isso não vai ser tolerado. A gente não vai aceitar retrocessos ideológicos, em especial nas políticas públicas. Por mais que o clima possa piorar, a gente não vai deixar de ser uma esquerda que está presente e que enfrenta os grandes debates.
Você concorda que os quadros de esquerda eleitos para 2025 são mais combativos do que os que cumprem a atual legislatura?
Foi mais na bancada do PT que houve essa diferença. Mesmo entre os reeleitos, deu para ver uma mudança na questão de quantidade de votos. Qual foi o PT que foi mais validado pelo voto popular? Isso também foi uma lição. Já o PSol sempre foi uma bancada muito combativa, de bastante oposição. Claro que dentro da vida legislativa a gente dialoga e faz acordo, porque a gente quer aprovar os nossos projetos, mas a gente tem limites muito bem estabelecidos em relação ao nosso papel de oposição. Acho que é importante essa mudança na bancada do PT, do fortalecimento de figuras com perfis mais de enfrentamento. Isso também será positivo para a bancada do PSol.
O que você prevê da gestão Nunes para o próximo ano?
Precisamos debater a necessidade de tirar o poder das grandes OSs [Organizações Sociais]. Dentro da categoria de trabalho, precisamos batalhar para ter uma política real para trabalhadores informais. Hoje o ambulante não tem licença como tinha na época das gestões da Erundina e da Marta. Por isso está um caos em muitos lugares, porque não tem licença e fica todo mundo atuando de forma ilegal. A gente vai se debruçar muito sobre esse propósito, queremos uma CPI sobre a maneira como a Prefeitura tem tratado o trabalhador ambulante.
Seguiremos na luta antirracista e de fortalecimento dos movimentos negros. E, é claro, fazer oposição às privatizações, que eu acho que vão se aprofundar cada vez mais. Algo que deve movimentar muito é a questão climática, porque os grandes eventos climáticos vão ser cada vez mais frequentes e extremos. Com a Sabesp privatizada, teremos crise hídrica provavelmente já nos próximos meses. A consequência pode ser muito trágica e o mandato vai ter que estar muito preparado para organizar resistência nos bairros e nas periferias. Já está faltando água na zona norte, o que é uma loucura. Estamos fazendo um debate interno, de, cada vez mais, no momento em que faltar água, conseguir associar isso com a privatização.
Você foi bem ativa na campanha do Boulos, por que acha que ele foi derrotado?
Acho que tem vários elementos aí. A comparação de fundos eleitorais não é simples, porque o Nunes usou subprefeituras, associações e tudo o que você pode imaginar para conseguir ganhar no tapetão. Isso tem um peso importante.
“Tiveram também alguns erros de campanha. Apostaram que, para ganhar o eleitor de centro, precisavam apresentar um Boulos mais moderado. Acho que isso fez perder o voto de protesto. Isso gera mais desconfiança do que apoio.”
Algumas opções têm que ser bancadas até o final. É melhor, na minha opinião. Por exemplo: o debate sobre drogas. O Nunes martelava no rádio e na TV o trecho de uma entrevista antiga do Boulos falando que ele era a favor da descriminalização das drogas. Acho que ele deveria ter bancado a posição [a favor] dizendo o porquê, promovendo um debate sobre encarceramento. Que nos lugares em que se legalizou, inclusive, houve diminuição do consumo. Que não é assim que a gente vai enfrentar a situação do viciado. Eu achava que seria melhor bancar. Nada disso era garantia de vitória do Boulos, porque se enfrentou uma máquina pesada, foi uma eleição muito desleal, com fake news, mas teria sido mais autêntico.
A esquerda perdeu a capacidade de mobilização nas periferias? O que precisa ser revisto para as próximas eleições?
Existe algo que não é tratado como eleitoral, que é o trabalho de base, que a gente sempre quer fortalecer o movimento, estar junto com o pessoal, trabalho de cultura, esporte, coisas que a gente faz, mas que precisamos pensar em fazer de forma politizada. Às vezes vejo uma parte da esquerda fazendo esse trabalho de base de forma despolitizada e perdendo a longo prazo por uma questão simples: a direita tem mais dinheiro. Se você ajuda uma associação sem formar uma aliança formal com aquelas lideranças, quem você acha que vai levar a atenção deles? Acho que foi o que aconteceu em várias regiões.
“Há lideranças que eram próximas de políticos tradicionais do PT, por exemplo, que foram para o lado do Milton Leite [presidente municipal do União Brasil e grande cacique político na zona sul da cidade], porque não houve um trabalho orgânico de proximidade, de aproximar os mandatos desses grupos para bancar projetos.”
Acho também que é preciso ser mais aberto a grupos que são críticos. Eu assinei um manifesto contra o pacote antipopular [série de cortes em gastos públicos discutido pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad]. Não posso ser chamada de inimiga por isso, não sou só eu que estou assinando, são grupos de juventude, com uma visão mais à esquerda, novas lideranças. Não dá para você tratar como se fosse adversário da esquerda quem quer fazer um debate.
Outra questão importante é o uso das redes sociais. Temos que entender o peso delas, falar mais sobre trabalho. Não acho que seja um problema lidar com pautas identitárias, pelo contrário: é importante falar de racismo e LGBTfobia, mas também precisamos falar mais sobre trabalho. Olha a eleição do Rio de Janeiro. O Rick [Azevedo] foi o vereador mais votado do Rio pelo PSol e quem menos recebeu dinheiro na campanha. A galera de base que está com ele não é uma base de esquerda, é muito mais uma identificação com a pauta, com esse perfil empreendedor. Tanto que a maior votação dele foi na zona oeste do Rio, mesmo sem ele ter pisado na região porque é área de milícia. Mas ele foi até o trabalho das pessoas, no centro, falar contra a jornada de 6 por 1 [seis dias de trabalho para um de folga].
Por falar em pautas identitárias, em que pé está o seu processo de afastamento na Câmara?
Eles resolveram caminhar com o meu processo na Corregedoria faltando 10 dias para o 1º turno [das eleições]. A gente pediu vistas do processo duas vezes e não pautaram novamente. Quem tem o poder de pauta é o corregedor, que é o Rubinho Nunes (União). Ele não pautou o meu processo. Mas estamos muito preparados para enfrentar. O pedido de afastamento veio da bancada do PL, mas eu também, junto com algumas entidades da sociedade civil, busquei o Decradi [sigla da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância] para entrar com um processo contra a vereadora Rute Costa. Esse processo já começou a caminhar e o Ministério Público, inclusive, quer conversar comigo, porque a fala que ela fez foi grave.
Isso pode se arrastar até o seu próximo mandato?
Existe uma interpretação em relação a isso que é ambígua, porque não diz nem que sim, nem que não. Acaba sendo uma interpretação política. Tudo pode acontecer. A corregedoria faz reunião até a metade de dezembro, então ainda dá para fazer isso. Mas me parece algo vindo do [prefeito] Ricardo Nunes, porque já percebi desconforto de outros vereadores da base, que não acham que é o caso [de pedir cassação].
A Câmara teve episódios muito mais graves do que esse. Eu lembro de duas vereadoras da base que chegaram à situação de quase assassinato no banheiro da Câmara. O meu caso é fichinha perto disso. Se uma agressão física grave envolvendo mão no pescoço, que para mim tem a ver com tentativa de assassinato, dentro do banheiro da Câmara, não dá cassação, não sei o que mais que pode dar.
Imagina você cassar um mandato porque uma vereadora falou que a outra teve uma fala LGBTfóbica e não punir quem tentou esganar a outra no banheiro? Poxa, fica feio.