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Vaivém na Cracolândia: “Meu futuro é conseguir R$ 1 pra dar um trago”

Luiz (nome fictício) vive na Cracolândia há 6 anos e reclama de ser levado de um lado para outro nas ações da Prefeitura e da polícia

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1 de 1 Imagem mostra aglomeração de pessoas em rua - Metrópoles - Foto: William Cardoso/Metrópoles

São Paulo — Na última terça-feira (7/11), o centro de São Paulo registrou novo episódio de tensão, com o deslocamento forçado de usuários de drogas da Cracolândia para a Rua Mauá, ao lado da Estação da Luz. À noite, dezenas de dependentes de crack invadiram a estação, provocando tumulto. Nos dias seguintes, moradores bloquearam a via em protesto contra a presença do chamado fluxo, que acabou sendo levado de volta para a Rua dos Protestantes, a cerca de 500 metros de distância.

No meio desse vaivém da Cracolândia, o Metrópoles conversou, nos dois últimos dias, com Luiz (nome fictício), que há seis anos frequenta o fluxo para consumir pedras de crack. Aos 32 anos, ele conta que é professor de dança e que, por causa das drogas, abandonou o curso de educação física e um filho adolescente. O vício começou com a cocaína no Guarujá, cidade onde cresceu, no litoral paulista, até virar refém da pedra, em 2017, na aglomeração de dependentes químicos que vagam pelo centro paulistano.

“O meu futuro é conseguir pelo menos R$ 1 pra dar um trago”, relata Luiz.

O rapaz diz que sempre dançou muito bem e que até tentou se esquivar da cocaína antes de conhecer o crack. Lembra de ter procurado ajuda na capital paulista, no Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas (Cratod), bem no dia em que o Museu da Língua Portuguesa pegou fogo, em dezembro de 2015.

Entre idas e vindas a São Paulo, ele ficou uma noite sem ter onde dormir e foi convidado a participar de uma festa no fluxo da Cracolândia, onde experimentou crack pela primeira vez. Isso foi em 2017 e, desde então, a sua vida gravita ao redor da pedra.

Mesmo com o prazer proporcionado pela droga, não faltaram tentativas para abandonar a dependência química. Ao longo da vida, Luiz conta que foi internado 24 vezes. Ele tem uma definição muito particular a respeito dessas experiências. “Como é a internação? É como ser chifrado 24 vezes pela mesma mulher”, diz.

Mudanças do fluxo

Entre tentativas e erros, Luiz descreve um roteiro bem conhecido pelos usuários da Cracolândia ao longo dos anos. Aponta cada local por onde passou, com precisão de datas e indicação de muitos eventos atrelados a operações policiais em curso em cada época.

“Quando [o fluxo] era na Júlio Prestes, estávamos quietos, parados, sabíamos o horário do rapa, da limpeza, fazíamos tudo que era certo. Mas, não, empurraram a gente para Praça Princesa Isabel. Lá, a gente fazia mesma coisa”, diz.

Ele avança na linha do tempo de forma detalhada. Conta que viaturas da Polícia Civil levaram os usuários para a Rua Helvétia até a deflagração da Operação Caronte, que prendeu uma série de dependentes e suspeitos de tráfico de drogas.

“Você não podia ter um cachimbo no bolso que era preso. Eu fui preso às 15h30 por causa de um caninho, não era nem um cachimbo. Saí de lá 0h15”, diz.

A situação nos últimos meses tem sido mais um jogo de empurra feito por parte das autoridades, diz Luiz. As movimentações inesperadas do fluxo no dia a dia lhe desagradam. “Como vou tirar você daqui, fazer você dar voltas e deixar aqui de volta? Não somos fantoches”, diz. “Uma volta, duas voltas… Na terceira volta, vamos sair quebrando e saqueando tudão. Não somos palhaços, velho”, afirma.

Os próximos meses também são vistos de forma pouco promissora por Luiz. Ele acredita que a situação tende a piorar por causa das eleições municipais de 2024. “De verdade? Estamos em novembro agora, né? Ano que vem é ano de eleição. Para não falar palavrão, nós estamos lascados”, afirma.

Questionado sobre o que espera do futuro, ele se vê imerso no mundo do crack, mesmo com as novas ações do governo paulista para tentar recuperar dependentes químicos que vivem no centro da capital. “Cracudo não tem futuro. Só vale o primeiro real, o segundo real, que é o do trago. Só.”

A todo momento, Luiz agradece o fato de ter pessoas que se preocupam e se importam com sua vida, incentivando-o a perceber que é mais do que um consumidor de crack. Esse grupo inclui desde um grande amigo de um grupo de teatro do bairro até a dona de um bar que acolhe quem veio da rua, como ele.

Embora essa rede de apoio não seja suficiente para mantê-lo longe das pedras, é nela que ele encontra os puxões de orelha, quando precisa, e os elogios que o encorajam a seguir vivo, mesmo quando a autoestima parece debilitada.

A reportagem decidiu não identificar Luiz por causa da situação vulnerável em que ele se encontra.

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