USP cita cabelos raspados para justificar por que negou vaga a cotista
USP concluiu que aluno autodeclarado pardo não possui “fenótipo de pessoa negra” e que “cabelos raspados” impediram a identificação
atualizado
Compartilhar notícia
São Paulo — A Universidade de São Paulo (USP) apresentou à Justiça paulista quais foram os critérios usados para negar a vaga do curso de medicina destinada a cotistas ao estudante Alison dos Santos Rodrigues. Segundo a instituição, a banca avaliadora concluiu que o candidato “tem pele clara, boca e lábios afilados, cabelos raspados impedindo a identificação, não apresentando o conjunto de características fenotípicas de pessoa negra”.
De acordo com o documento, Alison passou pela primeira fase da heteroidentificação em que nenhuma das duas bancas confirmou sua autoidentificação para os critérios da universidade, “sem que uma soubesse da decisão da outra”.
Na segunda etapa, por videoconferência, o estudante leu sua autodeclaração para a Banca de Heteroidentificação, segundo a USP. “Nas duas primeiras etapas, a Comissão de Heteroidentificação não o reconheceu como sendo possuidor dos traços fenotípicos aptos a defini-lo como negro, de pele preta ou parda”, afirma a universidade.
“Diante do conjunto de informações apresentadas, a comissão entendeu, de maneira consensual, por ratificar a conclusão da Comissão de Heteroidentificação, segundo a qual o recorrente não cumpre os quesitos necessários para usufruir o direito à vaga reservada ao grupo PP na Universidade de São Paulo, porque não possui conjunto de traços fenotípicos apto a defini-lo como preto ou pardo”, conclui a defesa da USP.
Avaliação
Alison teve a matrícula cancelada após passar por avaliação da Comissão de Heteroidentificação da universidade, criada em 2023 para evitar fraudes de candidatos que pleiteiam as vagas afirmativas destinadas às pessoas pretas e pardas.
A avaliação da comissão pode ter até quatro etapas, com análise de fotos, videochamada com o candidato (no caso de aprovados pelo Provão Paulista e pelo Enem), recurso e, finalmente, análise do Conselho de Inclusão e Pertencimento.
Alison, que se considera pardo, foi reprovado nas etapas de análise de fotos e videochamada e esperava a resposta do recurso apresentado à comissão quando recebeu um convite da universidade para participar das atividades de recepção aos calouros.
Tia do adolescente, a corretora Laise Mendes afirma que o sobrinho recebeu o comunicado de que perderia a vaga durante o evento de recepção.
“Meio-dia eles mandaram e-mail falando que o recurso tinha sido negado. Eu mesma fui com ele até a secretaria [da faculdade] porque eu não acreditei”, contou.
A família, então, tentou perguntar na universidade se o estudante poderia participar de uma análise presencial e ouviu que ele “não era especial” e, portanto, não poderia passar por um procedimento diferente dos demais.
Estudantes aprovados no vestibular da Fuvest passam pela etapa de averiguação presencialmente. A diferenciação dos casos é contestada pela família. Para Laise, se a banca tivesse visto o sobrinho pessoalmente não teria dúvidas de que ele tem as características de uma pessoa parda.
“Eles podem barrar por qualquer outro motivo, uma documentação, alguma outra coisa, mas não por esse motivo”, diz ela, que afirma que Alison sempre se considerou pardo. “Ele nem pensou duas vezes antes de se candidatar à vaga de PPI [pessoas pretas, pardas e indígenas]”.
A tia afirma que o estudante, o primeiro da família a ser aprovado em uma universidade pública, também passou nos vestibulares da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp) e na Universidade Federal do Ceará (UFC) para outros cursos. O aluno desistiu das vagas ao saber da aprovação na USP.
Foto do príncipe Harry
Entre os argumentos apresentados à Justiça na tentativa de rever a decisão da USP, a defesa do estudante anexou fotos do aluno ao lado de imagens de personalidades brancas, como o apresentador de televisão Silvio Santos e o príncipe Harry.
Ao Metrópoles a advogada Giulliane Fittipald disse que a escolha das imagens tinha como intuito demonstrar “tanto a diferença no tom da pele, quanto nos traços da face”.
Uma imagem da atriz Débora Nascimento também foi anexada como exemplo de alguém com as características de uma pessoa parda.
“Neste sentido, trazemos um comparativo com uma pessoa notadamente branca e uma pessoa parda, ambas popularmente conhecidas, e o requerente, com vistas a demonstrar que este é nitidamente pardo”, afirmou a defesa na petição que tinha as fotos de Silvio Santos e Débora Nascimento.