Tribunal do crime: membros do PCC são presos por “julgar” estupradores
Polícia Civil de São José dos Campos afirma que não havia investigações abertas sobre crimes sexuais para a maioria das vítimas assassinadas
atualizado
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São Paulo – A Polícia Civil identificou seis criminosos que estariam envolvidos em ao menos cinco assassinatos, decorrentes dos chamados “tribunais do crime“, realizados no decorrer do ano passado em São José dos Campos, no interior paulista.
Até o momento, cinco deles estão presos e um segue foragido da Justiça. As investigações indicam que o bando integra a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC).
Um dos cinco inquéritos policiais que ajudaram na identificação dos membros dos tribunais do crime, também chamados de “tabuleiros” pela organização criminosa, foi sobre o homicídio do técnico de internet Douglas Henrique Ferreira da Silva, de 26 anos. O corpo dele foi encontrado, crivado com oito tiros, por volta das 19h30 do dia 1º de setembro de 2022, na Estrada do Capuava.
Rapto pelo PCC e “tabuleiro”
Douglas foi arrebatado por membros do PCC quando trabalhava na instalação de cabos de internet, como foi registrado em uma foto encontrada no celular da vítima (veja abaixo). O técnico foi colocado dentro de um GM Kadet branco, que foi identificado em registros de câmeras obtidos pelo Setor de Homicídios de São José dos Campos. O Metrópoles teve acesso a essas imagens.
A investigação mostra que o veículo foi escoltado por um Hyundai I30 de cor escura.
Uma testemunha sigilosa afirmou à Polícia Civil do interior paulista que Douglas foi submetido a um tabuleiro por acusações, sem provas oficiais, de que teria praticado um crime sexual. Ele foi sentenciado à morte. O corpo dele foi encontrado cerca de 10 horas após o homicídio, segundo laudo pericial.
O delegado Neimar Camargo, do Setor de Homicídios de São José dos Campos, afirmou ao Metrópoles, nesta sexta-feira (1º/12), que não haviam investigações oficiais abertas contra a maioria dos homens mortos nos tribunais do crime.
“Os criminosos [do PCC] se achavam no direito de pegar, julgar, condenar e matar essas pessoas”.
Carro com sangue
O Kadet usado para arrebatar Douglas foi encontrado posteriormente. O cão farejador Mani indicou cheiro de sangue no banco e tapete traseiros, além do lado direito do porta-malas do carro. Um teste de luminol (produto usado para identificar sangue) deu positivo para os três locais.
Com base nesse assassinato, policiais conseguiram identificar outros quatro, ocorridos no ano passado, em circunstâncias semelhantes e motivados por supostos crimes sexuais, atribuídos sem provas às vítimas, segundo as investigações.
Mandados de prisão
Dos seis criminosos identificados pela polícia, quatro já cumpriam pena por outros crimes, e foram indiciados, na cadeia, pelos cinco assassinatos investigados pelo Setor de Homicídios.
São eles: Samuel Tomaz dos Nascimento, de 31 anos, com passagem por tráfico de armas; Ari Francisco de Lima, 47, apontado como líder do bando, com passagens por disparo de arma de fogo, tráfico de drogas e roubo; Cauan Renato da Silva Nascimento, 21, preso por tráfico de armas e drogas, e André Luís de Souza Sena Gusmão, 38, com passagens por tráfico de drogas, furto e receptação.
Cleandro Ferreira de Sousa, 38, foi preso em cumprimento a um mandado de prisão, expedido pela Justiça, em Santa Catarina, e Wendel Fernandes dos Santos 27, estava foragido até a publicação desta reportagem. Ambos estão envolvidos com o tráfico de drogas, de acordo com a polícia.
A defesa dos suspeitos não foi localizada pelo Metrópoles. O espaço segue aberto para manifestações.
Os “tribunais do crime”
O que é chamado de “tribunal do crime” foi instituído no início dos anos 2000 por Marcos Herbas William Camacho, o Marcola, apontado como líder máximo do PCC, quando ele criou o setor de “disciplinas” dentro da facção.
Os indivíduos nessa posição são responsáveis por garantir o cumprimento das regras da organização, podendo aplicar punições caso elas sejam descumpridas. Para isso, porém, é necessário um julgamento cuja sentença é dada por criminosos do alto escalão da facção.
Investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do MPSP, mostram que Marcola descentralizou as ações financeiras do PCC, dividindo-as em células, ligadas a outras maiores, que chegam a um núcleo central.
A figura do disciplina nasceu para servir como uma espécie de “corregedor” das ações financeiras do PCC. Com o tempo, ele passou a julgar qualquer demanda apresentada, em um sistema de justiça marginal, pautado nos preceitos do PCC. Foi assim que nasceram os tribunais do crime.