TJSP rejeita prisão contra vereador investigado em morte por fake news
Vereador foi denunciado por envolvimento na morte de homem espancado até a morte após notícia falsa de que ele havia matado cães, em Suzano
atualizado
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São Paulo — A Justiça paulista negou a denúncia do Ministério Público estadual (MPSP) para que o vereador Marcel Pereira da Silva (PTB), conhecido como “Marcel da ONG”, fosse preso prerventivamente pela morte de Rafael dos Santos Silva, de 22 anos, espancado até a morte após a circulação de uma notícia falsa de que ele havia matado dois cães.
Em dezembro do ano passado, um grupo de pessoas agrediu a vítima com socos, chutes, pauladas, pedradas e até usou um carro para atropelá-la, em Suzano, na Grande São Paulo. Sete homens, que já estavam detidos pelo crime, tiveram a prisão preventiva decretada pela Justiça.
Segundo o MPSP, Marcel participou “moralmente” do crime ao compartilhar vídeos nas redes sociais em que acusa Rafael de ser o responsável pelos maus-tratos de cachorros na região, inclusive mostrando o rosto da vítima.
Antes disso, o vereador havia abordado Rafael para questioná-lo sobre uma denúncia que havia recebido de um morador que teve o cachorro esfaqueado. Durante essa conversa, Marcel teria dito ao acusado: “Quer que eu resolva ou os irmãos do PCC?”, de acordo com a denúncia do MPSP.
O documento aponta ainda que o vereador disse ao dono do cachorro esfaqueado que Rafael teria assumido o crime. Então, ele passou a propagar “diversas afirmações apontando que Rafael era responsável por maus-tratos aos cachorros da região, dizendo, em várias oportunidades, que o problema seria resolvido por ele. Assim, em seguidas oportunidades, Marcel induziu os autores” da agressão, diz a denúncia.
“Mostrou-se, portanto, uma pessoa perigosa, com presença violenta e influente na criminalidade, o que suscita a necessidade de sua prisão para acautelar a ordem pública e garantir a instrução probatória, levando-se em conta, sobretudo, a sua influência no corpo social, diante da posição política que ocupa”, afirma o Ministério Público.
A apuração do MP indica que Rafael dos Santos era esquizofrênico e que relatou em vídeos o seu “desgosto por cachorros”. As imagens também foram compartilhadas pelo vereador para reforçar a falsa notícia de que ele havia assassinado os cães.
“Neste vídeo, a vítima faz relatos confusos sobre sua paranoia em face dos cães (animais) da região onde mora, dizendo que estes deveriam morrer”, diz o inquérito.
O que diz o vereador
Em depoimento prestado à delegacia, o vereador Marcel afirmou que recebeu a denúncia de um munícipe de que “havia um indivíduo que teria matado cachorros, no bairro Jardim Ana Rosa” e que foi “apurar” o caso.
Marcel disse que se encontrou com Fabiano de Farias, dono do cachorro esfaqueado e um dos presos pelo assassinato da vítima. Segundo o relato do vereador, o próprio Fabiano lhe informou que Rafael havia matado seu cachorro.
O vereador disse que questionou Rafael sobre a morte do animal. A vítima teria dito, segundo Marcel, que o estavam acusando de ter matado o cachorro, “mas continuava dizendo que os cachorros eram animais impuros e coisa do demônio”. O parlamentar acionou a Guarda Municipal na ocasião.
Marcel negou que tenha publicado vídeos apontando Rafael como o autor das mortes do cachorro e que tenha envolvimento com o assassinato. O vereador ainda desmentiu que tenha dito que os “irmãos do PCC” iriam resolver a morte dos cachorros.
Decisão da Justiça
Segundo a decisão da 2ª Vara Criminal de Suzano, “inexiste nos autos elementos de prova quanto à autoria” de Marcel no crime. “Não há nenhuma testemunha que relate que o denunciado [Marcel] tenha induzido os réus a praticarem o delito”.
Sobre a fala “quer que os irmãos do PCC resolvam”, o órgão afirma que está em “absoluta dissonância com os demais elementos probatórios, tendo em vista que o denunciado acionou os guardas municipais ambientais, que inclusive aparecem na gravação”.
“Tivesse qualquer intenção de atentar contra a vida da vítima – induzindo os demais agentes a matá-la ou incitando integrantes de uma organização criminosa para praticar o delito – não teria, por óbvio e como fez, acionado as forças de segurança pública para intervir no caso”, conclui a decisão.
Morte de Rafael
Rafael começou a ser agredido com a luz do dia e, já de noite, permanecia caído no meio fio da Estrada do Tanaka, no bairro Estância Americana, onde morreu em decorrência de um traumatismo cranioencefálico.
Uma investigação do Setor de Homicídios e de Proteção à Pessoa (SHPP) levantou que a motivação para as agressões seguidas de morte foi a propagação, nas redes sociais, de uma notícia falsa na qual Rafael era apontado como o autor da morte de dois cães, “fato que não se confirmou”, de acordo com o delegado Rubens José Ângelo.
“Ressalte-se que o crime foi praticado contra a vítima com requintes de crueldade, malvadez, demonstrando a frieza e desumanidade de seus algozes, com golpes na cabeça, rosto e corpo todo”.
Com a análise do vídeo, a polícia conseguiu identificar os autores do homicídio e solicitar à Justiça a prisão deles. Nessa quinta-feira (29/2), Jean Maia, Valtinei Ribeiro de Moraes, Luan Amaral Luciano, José de Souza Duarte, Alean de Carvalho Duarte Alves, Fabiano de Farias e Toni Ramos de Abreu foram alvo das prisões preventivas. A defesa deles não havia sido localizada até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.