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“Ter sido traída foi como um luto”, diz a chef Janaína Torres Rueda

Nesta entrevista, a “Dona Onça” fala do fim da união de 20 anos com o também chef Jefferson Rueda – e sócio no restaurante A Casa do Porco

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Chef Janaína Torres Rueda, no balcão do restaurante A Casa do Porco, em São Paulo
1 de 1 Chef Janaína Torres Rueda, no balcão do restaurante A Casa do Porco, em São Paulo - Foto: Fábio Vieira/Metrópoles

O último ano trouxe marcas para a vida da cozinheira e empresária Janaína Torres Rueda. A começar pela decisão de voltar a usar o seu sobrenome de nascença em sua assinatura profissional. Sócia de diversos empreendimentos no setor de gastronomia – Bar da Dona Onça, A Casa do Porco, Sorveteria do Centro, Sítio Rueda, Açougue Porco Real e Hot Pork –, ela viu a joia do grupo, justamente A Casa do Porco, ser apontada como o 7º melhor o restaurante do mundo em 2022, na lista World’s 50 Best, da publicação inglesa Restaurant.

Fez uma plástica nos seios e seu braço esquerdo ganhou uma enorme tatuagem de onça. “Sabe que não doeu muito fazer a tatuagem? Tem outras coisas que doem muito mais. A tatuagem, na verdade, aliviou bem a minha dor”, diz Janaína. Essa dor a que se refere Janaína é consequência do divórcio, depois de 20 anos casada com o chef e sócio Jefferson Rueda. Nesta entrevista concedida ao Metrópoles, ela conta que está prestes a inaugurar mais um restaurante – o Merenda da Cidade –, relembra sua experiência com um projeto de melhoria da alimentação escolar em escolas públicas do estado de São Paulo, que foi abandonado na gestão João Doria e, entre outros assuntos, conta como descobriu que estava sendo traída pelo ex-marido.

Qual o conceito do Merenda da Cidade?
Esse local, hoje, é o refeitório dos nossos colaboradores, onde a gente almoça e janta todos os dias, eu, meus filhos e os 283 colaboradores de todas as casas. Mas ele tem um custo muito alto, porque usamos ingredientes orgânicos, a gente preza muito pela comida de qualidade. O que os nossos clientes comem é o que os nossos colaboradores comem também. Então, resolvemos abrir ali um restaurante, que não vai gerar nenhum lucro para as casas, só mesmo para a sua própria manutenção. As pessoas vão poder provar os mesmos pratos que que a gente come todos os dias, por um preço acessível, num sistema de autosserviço: compra a ficha no caixa e pega o combo do prato do dia, que custa 45 reais: vem uma salada, o pão, a sobremesa e o suco do dia. Na segunda-feira o prato do dia vai ser virado à paulista; terça, bife a rolê; quarta, feijoada; quinta, macarrão à bolonhesa; sexta, peixada; sábado é feijoada de novo; e domingo a gente faz macarronada com frango.

Você vive e seus negócios são no centro. Qual a sua opinião em relação à região hoje?
Ele está malcuidado. Na gestão do Bruno Covas esteve bem cuidado, as calçadas foram reformadas, não tinha sujeira na rua. Na gestão do Fernando Haddad também. Aí veio a pandemia e foi assustador. Porque já havia um problema sério de saúde pública, que é a Cracolândia. Enquanto a prefeitura, o estado e o setor privado não se juntarem para atacar esse problema de frente, não vai ser resolvido. Onde estão os hospitais privados, que não estão aqui no centro prestando atendimento voluntário a essas pessoas? Eu não consigo entender. Não basta fazer ações de doação de alimento – eu mesma vou abraçando diversos projetos sociais, outros cozinheiros também, mas, para o cara que está com problema de saúde mental e com dependência química, o problema não é a questão alimentar. E o que se faz com a Cracolândia? O poder público vai lá, dispersa, e ela se espalha pela cidade inteira. Obviamente, aqui piorou muito.

E como está sua ligação com o Projeto Cozinheiros pela Educação (ação da gestão do governo Geraldo Alckmin, 2015-2018, na qual Janaina reformulou o cardápio da merenda escolar de escolas públicas estaduais com pratos inspirados na culinária paulista e feitos com alimentos in natura, abandonando o uso de produtos ultraprocessados, e treinou pessoalmente mais de 1800 cozinheiras)?
Eu comecei em 2016 e fui convidada a me retirar em 2019, quando houve uma transição de secretaria, com a saída do José Renato Nalini (secretário de educação na gestão Alckmin). Quando ele me falou do projeto, disse que precisava de alguém que soubesse fazer comida de verdade. “Tenho esses produtos todos aqui e preciso de ajuda. Não sei nem por onde começar.” Quando eu bati o olho naquele estoque de alimentos da secretaria para fazer a merenda, entendi o quanto a gente tem um descaso com a alimentação no nosso país. E o quanto nós, cozinheiros, éramos desleixados com isso, no sentido de não entender o que é a política pública de alimentação.

O que a impressionou?
Fiquei apavorada quando vi o que era usado: nuggets, salsicha, sobremesa láctea, aqueles líquidos com corante que ninguém sabe o que é. A princípio eu quis desistir, achei que não conseguiria, porque teria que me dedicar muito a esse trabalho voluntário. Mas o secretário e o corpo técnico me convenceram e eu desenhei um projeto de alimentação digna. A gente foi mudando, treinando cozinheiros toda semana. Fiz o treinamento pessoalmente, durante quatro anos, para 1800 cozinheiras do estado. Foi lindo e deu muito certo, porque esse projeto foi estendido para 3200 escolas. Mas, quando entrou outro governo, o projeto não seguiu. A equipe foi retirada, ninguém veio falar comigo e as crianças voltaram a comer arroz com ervilha e enlatados. E a Folha de S. Paulo fez uma matéria gigantesca denunciando a volta dos ultraprocessados na merenda.

Essa ação foi uma prova de que é possível oferecer uma boa alimentação do ponto de vista nutricional e gostosa ao mesmo tempo, com recursos limitados. Quando um trabalhador comum, que tem lá o seu vale-alimentação de 25 reais para almoçar, vai ter acesso a uma comida boa do ponto de vista nutricional e de sabor? Já é possível fazer isso?
A gente só vai conseguir fazer isso quando tivermos uma orientação alimentar. É inaceitável que dentro das escolas públicas a gente não tenha uma matéria que seja alimentação e nutrição, sendo o Brasil um país que produz e exporta alimentos para o mundo.

E o que seria ensinado nessa matéria?
A importância de se alimentar com frutas frescas, a construção de uma pirâmide alimentar, explicar os rótulos e porque está sendo servido um suco de fruta e não uma bolacha; explicar o que vem dentro de um pacote de bolacha. É orientação alimentar mesmo. O que isso implica? A indústria ser desvendada. Porque, com a orientação alimentar, se eu quiser comer a bolacha industrializada, com tudo aquilo que tem dentro, essa será uma opção minha.

Mas não é ilusão achar que é possível alimentar um país com as características do Brasil – mais de 200 milhões de pessoas, questões de logísticas, distâncias etc. – sem a indústria?
Sim. Há produtos muito bons dentro da indústria. Existem empresas, hoje, que estão chegando muito próximo da produção de agrotóxicos que não sejam nocivos e há inúmeras outras que estão substituindo os defensivos por produtos biológicos. Nossa tecnologia é avançada para isso. Agora, a gente precisa ter essa tecnologia a favor da saúde pública porque o agrotóxico é necessário até o ponto em que a gente não tenha outro que o substitua. A indústria, ela tem coisas boas: um peixe enlatado, por exemplo, que é um produto sazonal, como uma sardinha, uma conserva; um molho de tomate padronizado, enlatado, que venha de uma plantação biológica para ter extratos de tomate bem-feitos. Existem mecânicas de indústria para você baratear o preço do alimento, para que ele tenha padrão e seja saudável.

O atual momento coincide também com muitos prêmios que você e A Casa do Porco têm ganhado. Essas premiações são uma preocupação para você, no sentido de treinar a equipe para vencê-las?
Eu tinha medo da crítica, foi algo com que a gente já se preocupou bastante, ainda mais no meu começo. Quando eu via um crítico gastronômico, como o Josimar Melo (da Folha de S. Paulo), entrando no meu restaurante, eu tremia. Receber uma crítica me fazia ficar três dias de depressão. Hoje eu me preocupo em entender onde eu estou errando, se estou errando. Hoje lido muito melhor com a crítica. Não, não é gostoso ouvir crítica, mas, dependendo de quem vem, incomoda mais ou incomoda menos. Vou ser bem sincera: cheguei num ponto de maturidade que algumas críticas já não me perturbam mais. Eu olho e me chateio por segundos. Porque eu acho que tem coisas muito mais importantes, além de chegar ao ponto perfeito da carne, sabe? Preocupo-me em chegar ao ponto perfeito da humanidade: quando me ponho no lugar de outra pessoa, a comida também vai ficando melhor.

Em setembro do ano passado, em uma entrevista para a revista Claudia, você tornou público o fim do seu casamento com o Jefferson, depois de 20 anos, porque ele se envolveu com outra mulher enquanto vocês eram casados. Como foi saber que havia sido traída?
Foi um luto. No princípio foi um choque, uma decepção muito profunda, muito visceral. Eu defendia o meu casamento com unhas e dentes. Foi muito difícil. Mesmo. Eu fui para o chão, desabei como nunca antes. Você se coloca numa condição vulnerável quando percebe que a lealdade vinha só de um lado. Nem com a morte do seu Julio (Julio de Toledo Piza, 1939-2020, ex-presidente da BM&F e sócio no Bar da Dona Onça), que eu considerava meu pai, nem com a morte da minha mãe, nem com a morte da minha avó que me criou, eu sofri tanto. Mas eu busquei ajuda, as mulheres da gastronomia me acolheram muito nesse momento de separação. E fui fazer terapia. Tive alta do psiquiatra muito rápido e continuo fazendo terapia com um psicólogo, só para desabafar.

Na relação de trabalho mudou alguma coisa? Você colocou novos limites?
Não. Sabe por quê? Porque eu também fiquei muito madura, no sentido de não misturar as estações. Dentro da minha cabeça foi rápido porque a deslealdade não foi no âmbito profissional. Nenhuma das traições – foram inúmeras –  teve a ver com o trabalho. Ninguém do restaurante, ninguém da gastronomia. Por isso que não precisa ter limites. E, na realidade, hoje o Jeferson não fica nos restaurantes, ele fica mais cuidando do sítio porque a mulher dele é de lá de São José do Rio Pardo. E ele fica muito mais lá no sítio, cuidando da parte da produção dos orgânicos, dos porcos, do frigorífico, e eu cuido mais daqui. Mas ontem ele esteve aqui, trouxe os cortes, testou os cortes e a gente vai fazendo as coisas. É uma relação profissional.

E como foi contar para os seus filhos (de 17 e 13 anos)?
Eles descobriram junto comigo. Eles se lembram bem disso, foi no dia 18 de dezembro (de 2022). Eu me separei em setembro, já estava bem complicado, assim que eu comecei a perceber coisas. Eu descobri, ele nunca me contou nada. Se não fosse o celular, eu não tinha descoberto nada. Ninguém precisa ser monogâmico se não quiser, todo mundo tem todo o direito de ter outras relações.

Você acha isso mesmo?
Bom, você tem que combinar. Eu sou monogâmica, não curto nenhum tipo de relacionamento aberto, por um motivo muito sério: acho que as relações sexuais trazem uma energia para dentro da gente. Existem hoje relacionamentos não-monogâmicos e eu acho válido.

Estou vendo no seu dólman que você agora assina seu nome como Janaina Torres Rueda e não mais Janaina Rueda. Por quê?
Eu era conhecida como Janaina Torres. O Manoel Beato (sommelier do grupo Fasano), por exemplo, sempre me chamou de Janaina Torres. Mas a gente casa pensando que é para sempre. E, até descobrir as traições, para mim era um casamento para sempre. Fui apaixonada e amei muito o Jeferson, tinha como meta de vida termos a velhice juntos. E a gente construiu o nome Rueda, a imagem, o grupo juntos. Eu poderia tirar? Poderia, mas, pelos meus filhos, pela história e pela construção de marca, achei desnecessário tirar o Rueda. Ele faz parte do meu casamento de vinte anos. E deixo Torres no meio para não esquecer que no decorrer da vida a gente vai se transformando, se reconstruindo, evoluindo. E isso faz com que eu tenha vontade de ter os meus dois sobrenomes: um de construção e o outro de nascença.

E como está a sua vida pessoal hoje? Você é paquerada?
Sou. Sou paquerada. Sou e depois que me separei também. Fui paquerada por pessoas que eu jamais imaginei, do meio artístico. E me sinto feliz, é uma reconstrução, eu vivi de novo, sabe? Eu estava muito apagada, desleixada comigo mesma.

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A Casa do Porco: 7º melhor restaurante do mundo, segundo a lista World's 50 Best
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Ela está prestes a inaugurar mais um restaurante em São Paulo

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A Casa do Porco: 7º melhor restaurante do mundo, segundo a lista World's 50 Best

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Você está namorando?
Eu estou namorando, sim. Meu namorado se chama Leandro Langoni. Ele tem uma produtora de filmes. Não tem nada a ver com gastronomia porque eu jamais faria isso comigo neste momento, até para ter outros assuntos, sair desse circuito, né? Meu filho mais velho é cozinheiro, o Joaquim provavelmente vai ser cozinheiro e eu tenho um sócio, que é um grande cozinheiro, né?  Que é o Jeferson. Eu não preciso de mais um cozinheiro na minha vida.

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