TCU aponta “descontos indevidos em larga escala” e pressiona INSS
Inspeção do TCU identificou a “existência de controles frágeis” do INSS sobre associações acusadas de descontos indevidos em aposentadorias
atualizado
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São Paulo — Um relatório de inspeção concluído neste mês por auditores do Tribunal de Contas da União (TCU) identificou a “existência de controles frágeis” dentro do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que permitem “descontos indevidos em larga escala” feitos por associações diretamente na folha de pagamento dos aposentados.
Mantida sob sigilo, a fiscalização preliminar destaca o crescimento “impressionante” do número de associados filiados por essas entidades nos últimos anos, com aval do INSS, e do valor arrecadado por elas com “mensalidade associativa”, conforme revelado pelo Metrópoles na reportagem sobre a farra do desconto em aposentadorias.
Segundo o relatório do TCU, o número de filiados saltou 150% em dois anos, de 2,2 milhões de aposentados em 2021 para 5,5 milhões em dezembro de 2023. Nesse mesmo período, a receita anual das 29 entidades habilitadas pelo INSS a praticar o desconto nos contracheques subiu de R$ 544,7 milhões para R$ 1,55 bilhão.
Os auditores destacam como exemplo os casos da Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos (Ambec), que tinha apenas três associados em dezembro de 2021 e saltou para mais de 600 mil em dezembro de 2023, e a Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA), que não tinha nenhum filiado em 2021 e terminou o ano de 2023 com mais de 340 mil associados.
“Esses crescimentos expõem a necessidade de o INSS possuir controles robustos com o propósito de evitar descontos de mensalidades indevidos”, afirma a auditoria do TCU.
Como mostrou o Metrópoles, esse crescimento ocorreu em meio a uma avalanche de reclamações e processos judiciais movidos por aposentados contra essas associações por descontos indevidos, feitos sem autorização prévia dos beneficiários do INSS, como exige a lei. Há casos de falsificação de assinaturas e de uso de gravações de telemarketing sem validade jurídica para justificar as filiações.
Durante a inspeção, os auditores do TCU constataram que a divisão do INSS que fiscaliza os descontos nos benefícios tem apenas três servidores, que “os termos de filiação e de desconto de mensalidade associativa não são rotineiramente apresentados pelas entidades”, conforme exigência legal, e que “não foram aplicadas penalidades em decorrência de irregularidades” em 2023, quando as queixas na Ouvidoria do INSS por causa de descontos indevidos subiram 560% em relação ao ano anterior.
Direção do INSS tentou esconder farra dos descontos em aposentadorias
Os auditores ainda destacam que a medida que determinou o bloqueio para qualquer tipo de desconto no benefício para quem se aposentou a partir de setembro de 2021 — desde então, o segurado que quiser se associar a uma entidade ou fazer um empréstimo consignado precisa fazer o desbloqueio no INSS — não coibiu os abusos porque 97% das aposentadorias com descontos associativos são de segurados que se aposentaram antes dessa data.
No relatório, eles também afirmam que, embora o INSS tenha publicado norma neste ano exigindo o reconhecimento biométrico do aposentado para liberar novos descontos, “esse requisito ainda não foi posto em prática”. Para os auditores, “é urgente a adoção de medidas de segurança para que esses novos requisitos de segurança sejam postos em prática o mais rapidamente possível”.
“Identificou-se a existência de descontos de mensalidade associativa não autorizados, cujas principais causas são a ausência de verificação da filiação do beneficiário e de sua autorização previamente à averbação dos descontos; a fragilidade na ferramenta de bloqueio e desbloqueio para a averbação de descontos; e a falta de avaliação periódica das reclamações referentes a descontos indevidos”, concluíram os auditores do TCU.
Cobranças ao INSS
O relatório de inspeção do TCU sobre os descontos em aposentadorias está sob relatoria do ministro Aroldo Cedraz. No documento, os auditores propõem que o tribunal determine que o INSS obtenha, no prazo de 60 dias, todos os termos de filiação em vigor, com autorização e documento de identificação dos aposentados, e que, nos casos em que esses documentos não forem devidamente apresentados, os descontos sejam interrompidos, e os valores descontados irregularmente, devolvidos.
Os técnicos também recomendam que, até que haja a efetiva implementação da assinatura eletrônica avançada e da biometria, previstas na norma publicada em fevereiro pelo INSS, somente sejam aceitas novas filiações com toda a documentação exigida por lei.
Eles pedem ainda que o INSS institua, em até 90 dias, avaliação periódica sobre reclamações de descontos indevidos e, “caso identifique irregularidades frequentes ou substanciais, aplique as penalidades previstas na legislação e nos acordos de cooperação técnica”.
No último dia 4/4, o TCU encaminhou o relatório de inspeção com as determinações propostas pelos auditores ao presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, para que ele possa “apresentar comentários” e “sugestões de eventuais alternativas” ao que foi proposto no documento. O prazo dado para resposta termina nesta terça-feira (16/4).
O INSS afirmou ao Metrópoles que “ainda não tem conhecimento do conteúdo do relatório do TCU” e que, “tão logo receba o documento, dará seu posicionamento”.
Após as reportagens publicadas pelo Metrópoles em março, a farra dos descontos em aposentadorias virou alvo de investigações da Controladoria-Geral da União (CGU) e do próprio INSS, órgão responsável por firmar os “acordos de cooperação técnica” que permitem às associações aplicar “desconto de mensalidade associativa” nos benefícios de aposentadoria e pensão.
A investigação, que se restringia a seis entidades inicialmente citadas pelo Metrópoles, foi ampliada para abranger todas as associações que firmaram contrato desde 2023. Mais recentemente, o INSS também anunciou a interrupção de repasses novos às entidades até que elas instalem sistemas de biometria e se adequem a normas estabelecidas pelo órgão para evitar fraudes.