Suspeito na máfia das creches recebeu dinheiro em conta de igreja
Igreja presidida por suspeito na investigação sobre máfia das creches recebeu valores. Homem disse à PF que prestou serviços de engenharia
atualizado
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São Paulo — A Polícia Federal investiga possível lavagem de dinheiro da máfia das creches por meio de uma igreja, segundo relatório da corporação.
Foram detectadas, de acordo com a PF, transações suspeitas entre uma gestora de creches e empresas suspeitas de fornecer notas fiscais frias.
A Associação Família Nova Aliança, que chegou a gerir quatro creches na capital paulista, enviou R$ 2,5 milhões a duas fornecedoras investigadas, a empresa Francisca Jaqueline Oliveira Braz e o açougue Cleyson Jhonny, diz a polícia.
Pela investigação, uma das empresas repassou R$ 177 mil para a conta do presidente da entidade, David Vieira dos Santos. A Igreja Família Nova Aliança, presidida por Santos, também recebeu R$ 539 mil da mesma empresa e R$ 183 mil do açougue, aponta a PF.
Serviços de engenharia
Em depoimento à polícia, o homem alegou que prestou serviços de engenharia a creches ligadas a Rosângela Crepaldi. A suspeita é apontada como ligada ao escritório de contabilidade Fenix, um dos principais articuladores do esquema da máfia das creches, segundo a polícia. Santos afirmou ter usado a conta da igreja para receber valores por causa de dívidas financeiras que possuía.
O presidente da ONG ainda afirmou, em sua versão à polícia, que foi a própria diretoria de ensino quem indicou a ele o escritório Fenix.
“Indagado se recursos públicos transitaram por conta de pessoa física, o interrogado afirma que não. Que, indagado acerca da quantia total de R$ 177.086,88 que recebeu em sua conta bancária da fornecedora Francisca Jaqueline, o interrogado alega que tais valores são decorrentes de trabalhos de engenharia e construção que prestou para creches vinculadas a Rosangela Crepaldi”, diz o depoimento.
O homem foi indiciado pela Polícia Federal.
A Associação Nova Aliança também chegou a gerir duas unidades do Bom Prato, na capital e em Cotia, na Grande São Paulo. De acordo com dados do Painel do Terceiro Setor, mantido pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), a entidade recebeu R$ 16 milhões em repasses estaduais.
Segundo o governo de São Paulo, porém, em maio, foram rescindidos unilateralmente ambos os contratos por descumprimento dos planos de trabalho.
ONGs
Levantamento feito pelo Metrópoles mapeou 34 entidades administradoras de creches conveniadas do município que são ligadas a pessoas indiciadas pela PF por suspostamente integrarem o esquema — elas controlam 131 unidades. Os indiciamentos aconteceram em relatório final da investigação, concluído em julho deste ano.
Na maioria dos casos, presidentes, ex-presidentes ou pessoas da direção das entidades são suspeitas de desviar dinheiro que deveria ser usado para compra de comida ou materiais para as crianças, por meio de empresas que fornecem notas fiscais frias. Esses fornecedores recebiam o dinheiro das ONGs e, depois, devolviam parte dele em contas pessoais ou de empresas.
De acordo com a Polícia Federal, 116 pessoas foram indiciadas por suspeita de participação em um esquema que movimentou R$ 1,5 bilhão em cinco anos.
A empresa Francisca Jaqueline é apontada como uma das “noteiras” da máfia das creches e, no período avaliado pela investigação, teria movimentado quase R$ 163 milhões. O endereço declarado da proprietária era um condomínio habitacional simples no extremo leste da cidade.
O que dizem prefeitura, governo e investigados
A gestão Nunes afirma que já descredenciou 470 creches desde 2019 “em razão do não atendimento dos requisitos de contratação de unidades conveniadas”.
“A Controladoria Geral do Município abriu processos de responsabilização de pessoa jurídica, com base na Lei Anticorrupção, e aplicou multas e punições a organizações sociais”, diz a gestão.
A prefeitura afirma, ainda, que as entidades são permanentemente fiscalizadas para a garantia de qualidade e efetiva prestação de serviços e que os valores repassados às creches são calculados de acordo com vagas contratadas e o valor per capita.
O governo de São Paulo afirmou que rompeu em maio os contratos que tinha com a Associação Família Nova Aliança por descumprimento de contratos na gestão do Bom Prato.
David Vieira dos Santos, da Associação Família Nova Aliança, afirmou que consultaria seu advogado, mas depois não retornou mais à reportagem.