SP vê número de afegãos crescer em aeroporto no Dia do Refugiado
Falta de vagas em abrigos faz com que centenas de afegãos durmam em cabanas improvisadas no Aeroporto Internacional de SP, o maior do país
atualizado
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São Paulo – Centenas de refugiados afegãos estão acampados no Aeroporto Internacional Guarulhos, em São Paulo, à espera de um abrigo. Segundo a prefeitura da cidade, todas as 177 vagas destinadas ao acolhimento desta população estão ocupadas.
No Dia Mundial do Refugiado, 206 pessoas esperavam no aeroporto por um encaminhamento. O número vem crescendo nas últimas semanas, de acordo com o coordenador do Coletivo Frente Afegã, Miguel Couy.
“Em cerca de três dias, nós chegamos à taxa de 205 pessoas. É um dos maiores números que já tivemos”, conta o voluntário, que recolhe doações para esta população desde o ano passado.
Deitados sobre colchonetes ou sentados em cabanas improvisadas com cobertores, os afegãos contam com ajuda de doações enquanto não conseguem as vagas para deixar o aeroporto. Uma realidade dura para quem chega ao país em busca de acolhimento depois de fugir da opressão do Talibã.
Nooria Sharifi, 29, trabalhava como jornalista na TV nacional do Afeganistão e conta que teve que deixar o país porque o regime não aceita que mulheres estudem ou trabalhem.
“O Talibã não deixa as pessoas irem para a universidade ou trabalharem em TVs”, afirma. Ela chegou ao Brasil junto com os três filhos e o marido, e se emociona ao falar da situação de seu país de origem. “É muito triste para todo o povo afegão.”
Assim como ela, a maior parte das pessoas acampadas no aeroporto estão ali com suas famílias. Segundo a ONG Resgate de Refugiados Afegãos, formada por refugiados acolhidos no país, há apenas 45 homens solteiros vivendo no local.
Shukran Hekmaty, 22, é um deles. Ele trabalhava como gerente em um centro de compras no Afeganistão e agora quer construir uma nova vida no Brasil. “Nosso povo não pode continuar sua vida depois do Talibã”, diz o refugiado.
Mudança cultural
Ele conta que a família apoiou sua decisão de fugir do país, mas que é difícil enfrentar sozinho as diferenças culturais. “É difícil para nós, afegãos, enfrentar uma nova cultura, uma nova sociedade, uma nova língua”, conta.
Há duas semanas no aeroporto, ele diz que uma das principais dificuldades tem sido a alimentação. “Eu tenho tido problemas porque sou muçulmano e não posso comer carne”, afirma, contando que as refeições doadas raramente são vegetarianas.
O jovem Ezatullah Baqiri, 19, chegou a São Paulo com sua irmã de 17 anos e também tem sentido dificuldade em se adaptar às refeições brasileiras. “A comida aqui é diferente. No Afeganistão usamos mais óleo”, diz.
Ele afirma que, assim que possível, quer ingressar em uma universidade brasileira, trabalhar e juntar dinheiro para trazer sua noiva para o país. Como a viagem é cara, mesmo para vir com a irmã Ezatullah precisou ir de ônibus do Afeganistão até o Irã, onde as passagens eram mais acessíveis.
“No Afeganistão, o preço dos voos é muito alto e nós não podemos pagar. No Irã, os valores são menores”, conta o refugiado.
País de passagem
A fundadora do Coletivo Frente Afegã, Swany Zenobini, diz que diferentemente de Ezatullah, a maior parte dos afegãos vê o Brasil como um país de passagem e fica aqui até conseguir embarcar para outros destinos. Entre as preferências estão os Estados Unidos e a Guiana Francesa.
Swany foi uma das primeiras pessoas a descobrir o acampamento dos afegãos no Aeroporto de Guarulhos, em agosto do ano passado. À época, ela recebeu uma foto que mostrava os refugiados dormindo no chão e decidiu ir em busca de ajuda. “É uma comunidade dentro do maior aeroporto da América Latina”, afirma.
A ativista diz que foi preciso chamar a atenção do poder público para o tema para conseguir o mínimo, como a alimentação e os abrigos. Mesmo assim, as vagas ainda são insuficientes.