SP: conheça o retrofit do Prestes Maia, maior ocupação vertical do país
Metrópoles visitou a reforma (ou retrofit) que está transformando um prédio ocupado por décadas em SP em moradia para 287 famílias
atualizado
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São Paulo — Com 22 andares e um anexo com mais nove pisos, o Edifício Prestes Maia, situado a poucos metros da Estação da Luz, no centro de São Paulo, tem demonstrando ao longo da história uma vocação para servir de símbolo da capital paulista.
Na década de 1960, quando foi a sede da Companhia Nacional de Tecidos, o conjunto repleto de trabalhadores exprimia uma cidade industrial que crescia de forma acelerada. Do anos 1980 até a virada do século, virou ícone do abandono do centro paulistano.
Fechado, pichado e, por fim, ocupado clandestinamente por centenas de famílias que lutavam contra a miséria e não tinham onde morar, tornou-se a maior ocupação vertical do país, abrigando quase 500 famílias de sem teto.
Nos últimos meses, porém, o Edifício Prestes Maia vem sendo tratado como um símbolo de esperança, por causa de uma reforma promovida pela Prefeitura de São Paulo para restaurar suas estruturas comprometidas e transformar o local em moradia digna para as famílias sem teto.
O projeto
O Prestes Maia está passando por um retrofit, que é como arquitetos e urbanistas definem a proposta de reformar um prédio antigo, modernizar sua fachada sem descaracterizá-lo e dar novo uso ao edifício.
No centro de São Paulo, essa proposta já vinha sendo feita pelas grandes incorporadoras, mas em empreendimentos privados voltados para a classe média.
No caso da antiga ocupação, porém, o retrofit é um programa da Prefeitura. A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que tem negociações com uma série de movimentos de moradia que administram os quase 80 edifícios ocupados da região central, está mapeando aqueles que podem passar pelo projeto.
No caso do Prestes Maia, a Frente de Luta por Moradia (FLM), grupo que coordenava a ocupação, fechou o acordo. As 478 famílias que moravam no local concordaram em sair do prédio para que a Prefeitura fizesse a reforma, sob a condição de que o próprio movimento indicaria as pessoas que voltariam para lá quando a obra ficar pronta.
O retrofit
A gestão Ricardo Nunes está investindo R$ 76 milhões no projeto. O prédio, cuja construção terminou em 1957, consistia em uma série de lajes amplas, sem divisórias. A partir do momento em que virou uma ocupação, ele ganhou tijolos para dividir os barracos construídos no interior do edifício.
Agora, para maximizar o espaço e se transformar em quitinetes ou apartamentos de um ou dois dormitórios, com metragens que variam de 35 a 56 metros, cada laje está recebendo paredes, instalação de água e gás e cinco tipos diferentes de plantas para cada unidade.
“É diferente de uma construção. Quando você faz uma obra do zero, sabe exatamente o que está fazendo. Aqui, conforme você avança, encontra algo diferente”, afirma o engenheiro Leandro Garcia, de 39 anos, que acompanhou o Metrópoles na visita ao edifício.
Os motores do elevador são um exemplo. Mesmo com 50% das obras já concluídas, o maquinário, que os engenheiros não sabem nem onde foi fabricado, ainda está sendo desmontado aos poucos. Feito de ligas metálicas que caíram em desuso ao longo das décadas, ainda não se sabe exatamente o que fazer com as toneladas de ferro abrigadas acima do 22º andar do edifício.
Os moradores
A obra é acompanhada de perto pela FLM. Formalmente, é o movimento que está coordenando o trabalho, com execução da construtura Faleiros, que venceu a licitação da Prefeitura para tocar a obra.
A Prefeitura repassa o dinheiro para o movimento sem teto, que o transfere para a construtora a cada medição dos trabalhos executados.
“Todas as notas fiscais, todos os pagamentos, eles acompanham tudo”, afirma a gerente de projetos Roseli Almeida, de 36 anos, designada pela Prefeitura para auxiliar o movimento. “A gente faz reuniões semanais aqui, com mais de famílias. Tudo é explicado”, completa.
No movimento, a contagem para que a obra fique pronta é diária — a previsão é que a entrega do prédio ocorra apenas a partir de julho do ano que vem. Mas a incerteza ainda espreita quem participa da empreitada.
Isso porque apenas 287 das quase 500 famílias irão retornar para o edifício. As demais dependerão de outros programas de moradia.
O critério para definir quem fica e quem sai, por contrato, é da FLM, não da Prefeitura – que pode, no entanto, vetar alguém indicado pelo movimento caso a pessoa não preencha os requisitos para participar do programa habitacional.
“Essa é a hora mais triste”, diz Roseli, que já participou de projetos da Prefeitura em associação com movimentos anteriormente. “As pessoas choram, é dolorido.”
Coordenadora da FLM, a orientadora Silmara Congo, de 52 anos, contemporiza: “O sem teto sabe que a luta é constante. Enquanto houver um sem teto, vamos todos lutar”.
Silmara tem seis filhos e há 32 anos faz parte de movimentos de moradia. Ela já viveu em uma ocupação no Glicério, região central, na Avenida São João, e hoje mora no Edifício Mauá, outro prédio icônico do centro de São Paulo ocupado por famílias que não têm como pagar por uma habitação.
Quando a obra terminar, as 287 famílias selecionadas terão de pagar prestações de seus imóveis, que vão variar conforme a renda. Quem ganha um salário mínimo (R$ 1.320) pagará 15% do que recebe. Quem ganha até três (R$ 3.960), arcará com 30%. Também pagarão taxa de condomínio e as contas de consumo.
O Prestes Maia foi desapropriado pela Prefeitura em 2014, na gestão do ex-prefeito e atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e repassado à Companhia Metropolitana de Habitação (Cohab), responsável pelo programa habitacional batizado como Pode Entrar.