SP: comércio isola calçada e “joga” morador para fluxo da Cracolândia
Para impedir invasões e furtos por usuários de drogas, comércios contratam segurança particular e isolam calçadas na região central de SP
atualizado
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São Paulo – Uma onda de arrastões e saques a lojas promovida por usuários de drogas da Cracolândia, no centro de São Paulo, levou comerciantes a contratarem seguranças particulares e a instalarem gradis nas calçadas nos últimos dias.
A estratégia para tentar evitar novas invasões e furtos, contudo, tem obrigado moradores da região a atravessar o chamado fluxo de dependentes químicos no meio da rua para conseguir sair ou chegar às suas casas, aumentando a insegurança deles.
No fim do horário comercial, as calçadas da Rua dos Gusmões, por exemplo, entre as esquinas das ruas dos Andradas e Santa Efigênia, ficam completamente inacessíveis para pedestres. Atravessar o fluxo de usuários de drogas implica um risco grande de ser assaltado e até agredido.
Desde o início do ano passado, quando uma ação da polícia dispersou a concentração de dependentes da Praça Princesa Isabel, o fluxo de usuários da Cracolândia passou a ser itinerante por um conjunto de ruas do centro da capital paulista.
Além dos gradis, os seguranças contratados pelos lojistas também utilizam cones com faixas de isolamento, semelhantes às usadas pela polícia em cenas de crime, para impedir a aproximação dos usuários dos estabelecimentos comerciais depois que eles fecham.
“Penso muito antes de sair”
Com as estruturas montadas nas calçadas para evitar o arrombamento de comércios, em sua maioria de produtos eletrônicos, os moradores da região são obrigados a caminhar em meio aos usuários de drogas e dos carros nos horários em que buscam os filhos na escola.
A reportagem conversou com moradores da região nos últimos dias. Com medo, todos pediram para não terem os nomes divulgados. Uma mulher que reside na Rua dos Gusmões, a mais frequentada pelos dependentes, disse que ficou refém do fluxo para conseguir sair de casa.
“Eu programo a minha vida, meu dia a dia, com base no fluxo da Cracolândia, com base na decisão deles de ficar aqui, de usar droga aqui e fazer o que bem entendem aqui”, disse.
A moradora contou que hoje só coloca os pés para fora de seu apartamento para ir ao trabalho ou a compromissos inadiáveis e reclama da falta de acessibilidade nas calçadas entre o fim da tarde e início da manhã seguinte.
“Entendo que os comerciantes querem segurança, mas, com isso, eles tiram nosso direito de caminhar nas calçadas e nos obrigam a nos arriscar no meio dos nóias [dependentes químicos].”
Crianças e drogas
Uma recepcionista de 31 anos, também moradora da Rua dos Gusmões, contou que é obrigada a passar com os filhos no meio dos usuários de drogas quando volta com as crianças da escola no fim da tarde.
“Como as calçadas ficam bloqueadas, sou obrigada a andar no meio dos drogados, com um filho em cada mão, desviando de lixo, de droga, de usuário de droga, de toda a nojeira que se transformou a nossa rua. Isso interfere muito na nossa rotina e não temos para onde correr”, lamentou.
Um analista de 28 anos também se sente mal ao ter que circular com os filhos pela cena aberta de consumo de drogas a luz do dia. “Depois que fecham as calçadas, muda tudo. Não há segurança. Ficamos reféns.”
Ele acrescentou também não conseguir mais pedir comida por delivery, por causa do grande volume de usuários de drogas nas ruas. Os entregadores não se arriscam em meio ao fluxo.
Comércios saqueados
Durante o feriado de Páscoa, no último dia 7, uma farmácia e um mercado no centro de São Paulo foram invadidos e saqueados por usuários de drogas da Cracolândia, após uma ação conjunta da Prefeitura e das polícias Militar e Civil na região.
Imagens de câmera de segurança e vídeos feitos por testemunhas mostram o momento em que os usuários invadem a farmácia, que fica na avenida São João. Os registros também mostram o cenário de destruição no local após a invasão (veja abaixo).
Dois dias depois, usuários de drogas tentaram furtar uma lanchonete, também no centro de São Paulo. O grupo tentou levar uma televisão e um computador do estabelecimento, mas não conseguiu.
O que dizem as autoridades
A Subprefeitura da Sé e a Polícia Militar afirmaram ao Metrópoles que, até o momento, não há registros de denúncias sobre calçadas obstruídas por comerciantes.
“A Secretaria Municipal de Subprefeituras, por meio da Subprefeitura Sé, informa que será programada uma ação de fiscalização em conjunto com a Guarda Civil Metropolitana e Polícia Militar no local”, diz trecho de nota da administração municipal.
Já a Polícia Civil afirmou que se reuniu com comerciantes locais “a fim de estabelecer estratégias de atuação para coibir os crimes na região”, sem especificar como.
A Secretaria Municipal de Segurança Urbana, por sua vez, afirmou que a Guarda Civil Metropolitana realiza o patrulhamento comunitário e preventivo da região, 24 horas por dia, por meio de rondas periódicas.
As ações da GCM, acrescentou, visam a garantir a proteção da população local, das pessoas em situação de vulnerabilidade e dos agentes públicos das Secretarias de Assistência Social, Saúde e Subprefeitura, “durante a execução dos atendimentos e serviços no território.”