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“Sociedade está fora do debate”, diz especialista sobre câmeras da PM

Cientista social e político, Pablo Nunes diz que a sociedade está fora das discussões sobre uso de câmeras e reconhecimento facial da PM

atualizado

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Foto colorida de câmera de segurança no Palácio da Alvorada - Metrópoles
1 de 1 Foto colorida de câmera de segurança no Palácio da Alvorada - Metrópoles - Foto: Rafaela Felicciano/Metrópoles

São Paulo — A ampliação do sistema de monitoramento por câmeras e o reconhecimento facial por parte da Polícia Militar (PM) em São Paulo têm levantado dúvidas sobre o risco à privacidade da população e o uso que será feito das imagens registrados pelos equipamentos espalhados pela cidade.

Segundo o cientista político e social Pablo Nunes, que é coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Rede de Observatórios da Segurança, a sociedade não tem participado desse debate e falta regulação sobre a captação, armazenamento e uso dessas imagens.

“A sociedade está totalmente apartada. Muitas vezes, não tem noção de que está sendo vigiada”, diz Pablo Nunes em entrevista ao Metrópoles. Confira a seguir:

Em reunião com síndicos, o coordenador do setor de tecnologia da Secretaria da Segurança Pública disse que o programa de vigilância Muralha Paulista faz uso de reconhecimento facial, independentemente da qualidade da câmera. Como você avalia esse sistema da SSP?

É muito complicado porque o que a gente tem hoje no Brasil é uma total desregulação desse tipo de uso de tecnologia de reconhecimento facial. No cenário internacional, onde essa tecnologia está sendo utilizada há mais tempo, já tem um arcabouço regulatório mais forte. Há, por exemplo, especificações técnicas mínimas para o uso dessa tecnologia. No Brasil, não existe isso. Quando a gente ouve o Major Fernandes falar que qualquer câmera boa da Santa Ifigênia funciona, há que se perguntar qual o tipo de delimitação, o que significa uma câmera boa. Não é algo menor, tendo em vista que essas câmeras têm uma dificuldade, e a qualidade das imagens vai ser fundamental para o processamento delas através do algoritmo. Uma câmera com baixa resolução ou especificação técnica que não auxilie o algoritmo a atingir um grau de processamento pode produzir mais erros no reconhecimento facial. É uma fala completamente preocupante e aponta para esse cenário que a gente tem no Brasil, que são as polícias tratando reconhecimento facial como sendo algo sem o nível de risco que tem, de forma leniente com a violação dos direitos dos cidadãos. Chama muito a atenção do ponto de vista de lidar como uma tecnologia que não é só perigosa como cara, que a gente escute das autoridades falas como a do Major Fernandes, que demonstram a falta total de regulação e de procedimentos operacionais mínimos para utilização.

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Câmeras de monitoramento na Rua Bela Cintra, na Consolação, em São Paulo
Câmeras de monitoramento na Rua Bela Cintra, na Consolação, em São Paulo
Câmeras de monitoramento na Rua Pedro Pomponazzi, na Vila Mariana, em São Paulo
Câmeras de monitoramento na Rua Pedro Pomponazzi, na Vila Mariana, em São Paulo
Câmeras de monitoramento na Avenida Angélica, em Higienópolis, em São Paulo
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Coordenador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (Cesec), da Rede de Observatórios da Segurança e de O Panóptico, o cientista social e político Pablo Nunes

Divulgação
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Câmeras de monitoramento na Rua Bela Cintra, na Consolação, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Rua Bela Cintra, na Consolação, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Rua Pedro Pomponazzi, na Vila Mariana, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Rua Pedro Pomponazzi, na Vila Mariana, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Avenida Angélica, em Higienópolis, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Rua Dr. Gabriel dos Santos, em Higienópolis, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Rua Albuquerque Lins, em Higienópolis, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Alameda Barros, em Higienópolis, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Rua Caraíbas, em Perdizes, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento no cruzamento entre as ruas Coronel Mello de Oliveira e Caraíbas, em Perdizes, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Rua Caraíbas, em Perdizes, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Rua Apinajés, em Perdizes, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Rua Agissê, na Vila Madalena, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Rua Rodésia, na Vila Madalena, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Rua Rodésia, na Vila Madalena, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Rua Rodésia, na Vila Madalena, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na Rua Deputado Lacerda Franco, em Pinheiros, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na sede da empresa Gabriel, na Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, em Pinheiros, em São Paulo

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Câmeras de monitoramento na sede da empresa Gabriel, na Rua Dr. Virgilio de Carvalho Pinto, em Pinheiros, em São Paulo

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Como vê o desenvolvimento e aplicação desses métodos sem amplo debate com a sociedade em geral?

A sociedade está totalmente apartada. Muitas vezes, não tem noção de que está sendo vigiada. É muito comum, por exemplo, que a gente ouça relatos de pessoas que foram abordadas pela polícia e que não foram avisadas que foram identificadas por câmeras de reconhecimento facial, o que está em total desacordo com as boas práticas sendo reproduzidas por policiais ao redor do mundo, que colocam a necessidade de avisar o público que está sendo vigiado por esse tipo de tecnologia. Entender que esse é um debate que não está sendo feito e que está sendo escondido da população é algo extremamente revelador. Entendendo também que, para boa parte da população, esse tipo de tecnologia responda a demandas legítimas por mais segurança, por melhoria na sensação de segurança. Obviamente, a gente entende esse processo, mas sabe também que a sociedade, ao se deparar com a quantidade de erros e os problemas que ocorrem no processamento de imagens, pode entender os perigos e se posicionar contra essa tecnologia.

Como vê a iniciativa da SSP de contar com as câmeras de condomínios em seu sistema de vigilância?
A gente tem uma grande rede de vigilância que opera em toda a região de São Paulo. Chama a atenção pela grande quantidade e diversidade de especificações técnicas das câmeras. Também pelo número da população potencialmente vigiada por esse sistema sendo construído pela SSP. Há um processamento de dados pessoais em nível gigantesco para um tipo de objetivo que não condiz com essa quantidade de dados tratados e coletados. Coloca uma interrogação sobre a segurança e a garantia de direitos da população. De uma hora para outra, está tendo a sua presunção de inocência sendo questionada pela SSP com a instalação dessas câmeras.

Quais os riscos do compartilhamento em tempo real das imagens das câmeras privadas operadas pelas empresas de vigilância?

Essas empresas privadas colocam uma questão além para esse debate. Do ponto de vista da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), por exemplo, deveriam manter regulações e boas práticas, porque são empresas privadas que não podem ser enquadradas como de segurança pública. O que a gente vê até hoje é uma dificuldade, uma falta de presença da Autoridade Nacional de Proteção de Dados para lidar com essas empresas que, no fim das contas, têm violado diversas demandas da LGPD. Vou dizer sobre um caso que envolveu a [empresa] Gabriel. Por denúncia do [site] The Intercept, imagens coletadas por essas câmeras foram utilizadas de maneira não oficial, por meio de relações com delegados da região onde opera. Imagens de pessoas detidas que circularam no Slack [aplicativo de mensagens] da companhia, mostrando o nível de preocupação, que é quase nenhum, com esses direitos do cidadão. Essas empresas abrem caminho para que a própria sociedade acabe embarcando na ideia de que o vigilantismo pode ser uma resposta para os problemas de segurança. Na última ponta dessa escala está o linchamento. Fazer justiça pelas próprias mãos. A gente tem visto. Tem grupos de linchadores na zona sul do Rio de Janeiro, em São Paulo e outros lugares do Brasil. Tem casos que chegaram para mim de moradores de condomínios em que a Gabriel opera que fizeram monitoramento de jovem que estava sendo colocado como possível pichador e conseguiram localizar onde esse jovem morava. Foram até a casa dele tirar satisfação. Esse nível de vigilantismo, aliado com linchamento, levanta preocupações no sentido de segurança pública.

Durante a reunião com síndicos na capital, o próprio Major Fernandes exibiu em tempo real os dados e os alertas relacionados a uma pessoa que, segundo o sistema, foi identificada descumprindo medida cautelar na Cracolândia. Qual sua opinião sobre esse tipo de exibição?

Há uma grave violação de direito à privacidade. Um cidadão sendo exposto para um público que não deveria ter acesso àquelas imagens. Então, há aí também um certo tipo de leniência com o controle de quem acessa essas imagens que parece que está na ordem de algo que não deveria ser protegido. Há essa sensação de que “quem não deve não teme”, essa narrativa do senso comum, que faz e fundamenta esse tipo de situação em que há exposição dessa pessoa. Será que haverá uma mudança de comportamento do Major Fernandes e de seus subordinados na medida em que esse sistema comece a funcionar? Será que as associações de condôminos, de comerciantes não vão ter acesso facilitado a essas imagens a partir da inclusão nesse sistema? É uma pergunta que permanece sem resposta.

Existe atualmente capacidade computacional para tratar todos esses dados coletados por tantas câmeras, fazendo o reconhecimento facial de tanta gente? Qual o nível de investimento necessário para rodar esse sistema como um todo? 

Existe. Só que há um custo gigantesco nesse processo, principalmente porque boa parte dessas análises é feita na nuvem. É um processo que demanda um nível de computação, de armazenamento de dados gigantesco. A gente está falando de milhões de reais. Aí, esse ponto se coloca também no momento em que temos eleições, que são municipais, mas em que a gente discute orçamento público. Quais são as outras prioridades do estado de São Paulo que poderiam ser atendidos com a alocação de recursos para esse sistema. A gente viu agora, no caso da Bahia, na expansão do reconhecimento facial, valores utilizados que poderiam custear um hospital, a demanda da população, por mais de 30 anos. Há um descompasso entre prioridades claras, fundamentais e básicas da população, com esses investimentos em tecnologias que aumentam a vigilância.

As imagens captadas pelas câmeras de vigilância, com tratamento de dados, devem ser usadas exclusivamente no âmbito da segurança pública ou podem ser direcionadas a outros fins? 

Já há na experiência internacional usos preocupantes desse tipo de ferramenta para controle dos espaços. Por exemplo, o Madison Square Garden, grande centro de eventos em Nova York, utilizou o sistema de reconhecimento facial deles, alimentando esses sistemas com uma lista de adversários e pessoas malquistas. A partir disso, o acesso de pessoas foi negado. Não me parece haver hoje salvaguardas, barreiras fortes o suficiente para que haja o controle desse tipo de uso e também a manutenção na finalidade para a qual foram desenhados. De toda forma, a gente inclui aí que se não é um sistema que claramente funciona para segurança pública, é passível de ser regulado pela LGPD. Ela se estrutura e tem salvaguardas em relação à discriminação. A proibição do direito de ir e vir, com lista alimentada por síndicos de determinada região, pode ser uma preocupação relevante no uso desses sistemas. Queria adicionar mais uma camada, que é o uso desses sistemas para fins comerciais. A gente já tem registrado casos em outros países. Por exemplo: você consegue com o reconhecimento facial identificar clientes, fazer aferições comerciais, score de crédito, a partir do ingresso da pessoa em determinados lugares. Essa documentação dos locais onde as pessoas entram pode ser efetiva para se aferir capacidade econômica, nível de escolaridade e score de crédito.

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