Sob Derrite, mortes por PMs em São Paulo crescem 90% em 1 ano
Policiais militares mataram em serviço, entre janeiro e novembro deste ano, 595 pessoas, o equivalente a quase dois casos de morte por dia
atualizado
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São Paulo — A letalidade da Polícia Militar (PM) paulista cresceu 90% neste ano, o segundo da gestão do capitão da reserva Guilherme Derrite como secretário da Segurança Pública de São Paulo (SSP). Entre janeiro e novembro de 2023, PMs em serviço mataram 313 pessoas em todo o estado, contra 595 mortes registradas no mesmo período deste ano. Isso equivale a quase duas mortes por dia.
Indicado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), Derrite defende um discurso que, segundo especialistas, incentiva a tropa a agir de forma violenta, sem temer eventuais punições. Antes de assumir o cargo, ele já havia dito ser “vergonhoso” para um PM não ter pelo menos “três ocorrências” de homicídio em seu currículo.
Isso se reflete nos dados, elencados pelo Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial (Gaesp), órgão do Ministério Público de São Paulo (MPSP). Incluindo aos dados as mortes provocadas por PMs de folga, houve um crescimento de 71,6% no período — de 406 para 697, respectivamente.
Nessas estatísticas entram casos como o do policial de folga que atirou pelas costas em um rapaz negro que havia furtado produtos de limpeza de um mercado em São Paulo, no dia 3 de novembro, e o do estudante de medicina morto por um PM com um tiro à queima-roupa em um hotel na zona sul da capital, no último dia 20.
Outra morte de grande repercussão foi a do menino Ryan da Silva Andrade, de 4 anos, morto no mês passado durante uma ação policial no Morro do São Bento, em Santos, litoral paulista. O pai dele já havia sido morto por policiais militares com tiros de fuzil na mesma região em fevereiro, durante uma ação da Operação Verão, que deixou mais de 60 mortos na Baixada Santista no início deste ano.
“É importante pensar até que ponto esse discurso de que ‘bandido bom é bandido morto’, muito típico da retórica do secretário da Segurança Pública [Derrite], afeta os policiais que estão na ponta da linha, que se sentem autorizados a fazer o que eles querem fazer”, afirmou o professor Rafael Alcadipani, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) .
Além da letalidade, o especialista — que também é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública — usou como exemplo o caso do soldado da PM que jogou um homem rendido de uma ponte, após abordá-lo na zona sul da capital paulista, na madrugada de segunda-feira (2/12).
“Isso é bastante preocupante. O volume que está acontecendo em São Paulo [de violência policial] dá uma denotação de as coisas estarem um pouco fora de controle e a solução para isso precisa vir da SSP”, completa o especialista.
Omissão de PMs
O Metrópoles mostrou que policiais militares omitiram em relatórios oficiais que o soldado do 24º Batalhão de Diadema, na Grande São Paulo, havia jogado o homem de uma ponte, na madrugada de segunda-feira (2/12), no bairro Cidade Ademar, zona sul paulistana.
Os policiais dizem ter perseguido suspeitos, em motos, até chegarem em um baile funk, cujo fluxo se dispersou com a presença dos PMs. Um homem teria sido ferido com um tiro. Ao supostamente apresentarem a ocorrência do rapaz baleado no 26º Distrito Policial (Sacomã), ainda segundo relatado feito pelos policiais militares, o registro da ocorrência teria sido “dispensado”. A origem do tiro ainda não foi esclarecida.
Somente após o comando do 3º Batalhão da Polícia Militar (PM) ficar ciente de um vídeo, feito com celular — no qual um soldado da Ronda com Motocicletas (Rocam) aparece jogando o homem da ponte — é que o caso foi formalizado e um inquérito instaurado pela corporação.
A SSP foi questionada, mas não havia se manifestado até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto.
Providências iniciais
Nos registros da PM, feitos após a divulgação do vídeo, obtidos pelo Metrópoles, é dito que membros da Rocam teriam perseguido suspeitos, entre Diadema e a zona sul paulistana — até chegarem nas imediações do baile funk.
“Horas depois”, o Centro de Comunicação da PM (Copom) foi informado sobre a internação de um homem, ferido com um tiro, no Hospital Municipal de Diadema. Seu estado de saúde é estável e ele seria submetido a uma cirurgia. O tiro transfixou a vítima, entrando pela região dorsal e saindo pelo abdômen.
Após a repercussão, 13 policiais militares foram afastados das ruas, mas seguem trabalhando em setores administrativos.
O que mostram as imagens
Nas imagens que flagraram a conduta dos policiais, é possível ver três deles na ponte. Um agente levanta uma moto do chão e a encosta na mureta. Um quarto PM aparece segurando pelas costas um homem vestido com camiseta azul. Em questão de segundos, o militar levanta o homem pelas pernas e o joga do alto da ponte, sob a qual passa um córrego.
Assista:
Até o momento, a vítima da queda não foi identificada. Segundo moradores, ele saiu andando após ser arremessado da ponte no córrego.
Os agentes seriam do 24º Batalhão da PM de Diadema, na Grande São Paulo, e teriam perseguido a moto até a Cidade Ademar. De acordo com as primeiras informações coletadas pela investigação da Corregedoria da PM, o policial que jogou o homem é o soldado de primeira classe Luan Felipe Alves Pereira. Procurada, a defesa dele não quis se manifestar.
Em nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) afirmou que “repudia veementemente a conduta ilegal adotada pelos agentes públicos no vídeo mostrado”.
Segundo a pasta, assim que tomou conhecimento das imagens, a PM instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar os fatos e responsabilizar os policiais — que foram identificados e afastados.
Já o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Paulo Sérgio de Oliveira e Costa, considerou “estarrecedoras” e “absolutamente inadmissíveis” as imagens que flagraram o policial militar jogando o homem em um córrego do alto de uma ponte.
“Somente dentro dos limites da lei se faz segurança pública, nunca fora deles”, disse Paulo Sérgio, por meio de nota.