Senhores dos anéis: como braço nordestino do PCC rompeu com a facção
Criado após PCC romper parceria com Comando Vermelho, chefões da facção Guardiões do Estado usam anéis para se destacar em hierarquia
atualizado
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São Paulo — Criada em 2016 por dissidentes do Primeiro Comando da Capital (PCC), a facção cearense Guardiões do Estado (GDE) se tornou um “braço armado” da organização criminosa paulista no Nordeste, logo após o grupo liderado por Marco Willians Herbas Camacho, o Marcola, romper com seu então aliado fluminense, o Comando Vermelho (CV).
O endosso para a criação da GDE foi descoberto em investigação do Ministério Público do Ceará (MPCE) e da Polícia Civil local. Um membro do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) cearense afirmou ao Metrópoles, sob condição de anonimato por questões de segurança, que a presença do PCC e do CV no estado nordestino foi identificada, oficialmente, em 2015, por meio de interceptações telefônicas autorizadas pela Justiça.
Na ocasião, os dois grupos criminosos do Sudeste eram aliados no tráfico de drogas e armas, o que provocou a queda de homicídios, decorrente da ausência de disputa armada por territórios. A paz foi rompida em junho de 2016, quando o PCC matou, com uma metralhadora antiaérea, o megatraficante Jorge Rafaat Toumani, conhecido como “rei da fronteira”.
O então chefão do tráfico foi alvo de uma emboscada no centro de Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia considerada um ponto estratégico para que a cocaína produzida na Colômbia e na Bolívia possa ser distribuída por via terrestre pelo Brasil. Desde então, o PCC controla todas as travessias na fronteira, o que causou prejuízos e deu origem à guerra com o CV.
“Perfil empresarial”
O integrante do Gaeco ouvido pelo Metrópoles afirma que, por contar com um “perfil mais empresarial”, o PCC procura evitar confrontos diretos com seus inimigos, porque isso “atrapalha os negócios”. Diante da possibilidade de uma carnificina no Ceará, por causa do rompimento com o CV, a facção paulista viu no GDE “uma chance de ouro” para criar um braço armado no Nordeste.
“O GDE foi criado nesse contexto, com a recente ruptura do PCC com o CV. O PCC não queria usar ele mesmo da violência perene. Eles usam a violência para impor medo e ordem, mas somente em um primeiro momento, para depois agir de uma forma mais empresarial, para ganhar e fazer o dinheiro circular”, diz o promotor.
O interesse das facções no Ceará está relacionado ao Porto de Mucuripe, em Fortaleza, ponto estratégico para o escoamento de cocaína para Europa e África. Como já mostrou o Metrópoles, atualmente o PCC controla as remessas de drogas para o outro lado do Atlântico na região, o que rende para a facção bilhões de reais anualmente.
Essa seria a origem do desinteresse do PCC pelo tráfico local, abrindo espaço para que outras facções disputem a venda de drogas na região. Isso resultou, de acordo com o MPCE, no rompimento da parceria entre o GDE e o PCC, no fim de 2018. Além dos dois antigos aliados, a região ainda conta com a presença de membros do CV e de outra organização criminosa, conhecida como Massa ou ainda Tudo Neutro.
Senhores dos anéis
Inspirado do sistema hierárquico usado pelo PCC, por meio de “sintonias”, o GDE também estruturou a facção em núcleos de poder e de atuação nos negócios da organização. Diferentemente das máfias, em que laços familiares respaldam os contatos e as relações dos criminosos, nas duas facções o que importa é a função de cada membro, como em uma empresa.
O GDE também conta com uma “alta cúpula”, composta por seis fundadores. Eles são distinguidos dos demais membros por terem, cada qual, o seu “anel templário”. Segundo o Gaeco cearense, a utilização das joias, nas quais estão gravadas as iniciais dos vulgos dos chefões, foi inspirada nos cartéis de drogas mexicanos.
A existência dos anéis foi descoberta em abril de 2019, após dois membros da alta cúpula do GDE serem presos em decorrência de uma investigação conjunta da Polícia Civil do MPCE. Francisco de Assis Fernandes da Silva, o Barrinha, e Francisco Tiago Alves do Nascimento, o Magão, mantinham seus anéis em apartamentos de luxo, nos quais moravam em Recife (PE).
As investigações levantaram que cada uma das seis joias está avaliada em R$ 7 mil. Elas foram feitas sob encomenda. Os outros anéis pertenciam a Yago Steferson Alves dos Santos, o Supremo; Marcos André Silva Ferreira, o Branquinho; Dejair de Souza Silva, o De Deus ou Mestre; e Ednal Braz da Silva, o Siciliano.
Ordens da cadeia
Este último foi apontado como responsável pelas ordens que resultaram em uma segunda onda de ataques no Ceará, em setembro de 2019, mesmo estando atrás das grades em Limoeiro, em Pernambuco. O estado viveu momentos de tensão, com ataques ao transporte e a prédios públicos, em mais de 50 cidades.
O celular usado por Siciliano foi apreendido e, após ser periciado, foi encontrada nele uma lista com autoridades juradas de morte e o valor que o GDE pagaria pelos assassinatos. O governador do Ceará na ocasião, Camilo Santana, atual ministro da Educação, estava no topo da relação, com recompensa de R$ 1 milhão por sua execução.
As seis lideranças máximas do GDE foram transferidas para o sistema penitenciário federal, além de terem bens confiscados. Isso enfraqueceu a facção, que chegou a ser a mais atuante e influente do Ceará. “Mas quando você enfraquece uma, infelizmente, outra acaba se fortalecendo”, destacou o promotor ouvido pelo Metrópoles.
Atualmente, segundo levantamento do MPCE, o CV é o grupo criminoso com maior representatividade no tráfico de drogas local e no sistema carcerário cearense. O PCC segue no controle do tráfico internacional, por meio do porto.
Mesmo enfraquecido, o GCE também disputa espaço, da mesma forma que a Massa. De acordo com levantamentos preliminares, ao menos mais dois grupamentos criminosos independentes estariam atuando na região.