Pela 1ª vez, Theatro Municipal abre ao público segredos dos bastidores
Theatro Municipal de São Paulo abre centro técnico para visitação gratuita. Cenários e figurinos guardam história e segredos dos espetáculos
atualizado
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São Paulo — Palco dos principais acontecimentos artísticos da história brasileira, o Theatro Municipal de São Paulo ocupa um lugar mítico no imaginário nacional. Localizado no centro da capital, o teatro foi onde o maestro Heitor Villa-Lobos enfrentou vaias ao reger um concerto de chinelos, e Anita Malfatti apresentou pinturas que tirariam noites de sono de Monteiro Lobato – eventos da Semana de Arte Moderna de 1922, que mudariam os rumos da cultura brasileira.
Em seus 113 anos de existência, o Theatro Municipal de São Paulo é uma das principais instituições nacionais de produção cultural.
No entanto, o que por muito tempo foi desconhecido do público é que o sucesso de seus espetáculos depende do trabalho realizado a pouco mais de cinco quilômetros de distância da sede do teatro, na Central Técnica de Produções Artísticas Chico Giacchieri.
Nomeado em homenagem ao cenotécnico que comandou a produção cenográfica do Municipal durante as décadas de 1970 e 1980, a central fica na zona leste da cidade, logo atrás do Estádio do Canindé, e é um espaço muito diferente da casa de espetáculo: em vez do lustre de bronze e ouro e das pilastras de mármore, sua estrutura é composta por tubos de luz fluorescente pendurados no teto de quatro galpões de estilo industrial.
Lá, profissionais formulam mecanismos e estruturas gigantes para conseguir transformar um palco de 21,5 metros de largura por 20,5 metros de comprimento no Egito Antigo, em uma caverna, ou na cidade de Veneza, a depender da ambientação exigida por cada espetáculo.
O local, que também abriga grande parte do acervo de cenários e figurinos da história do Theatro Municipal, está aberto para visitas gratuitas desde o final de julho.
Como os espetáculos são feitos
Para cada vez que as cortinas se abrem no Theatro Municipal, uma equipe de cenógrafos precisa definir como o veludo vermelho e as cordas serão posicionados. Se as cordas forem presas ao longo do tecido, a cortina se abrirá de baixo para cima. Se forem fixadas apenas na parte superior, o movimento será como o de uma cortina de chuveiro, deslizando horizontalmente.
Esses detalhes, quase imperceptíveis para quem assiste, podem ser determinantes para a consagração de um espetáculo. Por isso, entendê-los é um dos objetivos da visita ao centro técnico: “Queremos que o público possa ver como é o outro lado, a mecânica, a construção cenográfica, que as pessoas descubram como é o processo de produção de um espetáculo”, explica a diretora do Theatro Municipal Andrea Caruso Saturnino.
Para a diretora, que idealizou o projeto de abertura do espaço ao público, conhecer o centro ajuda as pessoas a entender o sentido de uma história. Ela menciona, por exemplo, o caso da ópera Carmen, de Georges Bizet, que esteve em cartaz no início de 2024 e agora está com seus cenários e figurinos expostos no centro. Na exposição, Carmen, a protagonista da ópera, é apresentada como “A primeira diva pop” e comparada com figuras como Anitta e Madonna.
“A gente vai colocando todas essas perspectivas de quem é a Carmen em um arco do tempo que você contextualiza o que ela representa. Então, em vez de a gente pensar ‘eu não conecto, é uma obra elitista, é uma ópera’, eu penso, ‘o que é isso? Que história é essa?’ e conecto com o que está acontecendo hoje”, completa a diretora.
Os segredos que a central técnica guarda
Além de dar sentido aos espetáculos, o acervo do centro também guarda a face menos glamourosa da história do Theatro Municipal. O coordenador do acervo de pesquisa, Rafael Domingos Oliveira da Silva, conta que durante uma pesquisa sobre os figurinos feitos em uma montagem do espetáculo de “Aida” de 1951, a equipe descobriu que roupas etiquetadas como “criados negros” tinham sido usadas por referências do samba paulista como Toniquinho Batuqueiro e Seu Carlão do Peruche.
“Nessa época, o Municipal tinha o hábito de pegar crianças que trabalhavam no centro para trabalhar como figurantes. Se você olhar a etiqueta dos figurinos dos personagens protagonistas, os nomes dos atores sempre estão registrados, já essas pessoas ficaram invisibilizadas no acervo”, Rafael descreve.
Curiosamente, a Semana de Arte Moderna de 1922 não está representada no acervo – um indicativo, segundo Rafael, de como o movimento foi recebido na época. “ A importância de 22 foi construída depois. A ausência de figurinos e cenários preservados mostra que, na época, o evento não era visto como um grande marco; o mito em torno da semana surgiu mais tarde”, finaliza.
O prédio onde são armazenados os mais de 25 mil figurinos do acervo do Theatro não é aberto ao público devido ao trabalho delicado de conservação necessário. No entanto, alguns desses figurinos estão exibidos pelas exposições temporárias do centro técnico.
Cada um dessas exposições conta a história de um espetáculo específico, e os temas são alternados conforme a programação do Theatro. A próxima mostra será sobre “Nabucco”, de Giuseppe Verdi, em cartaz na casa de espetáculos. Para visitar o centro, é necessário fazer um agendamento prévio pelo e-mail educacao@theatromunicipal.org.br.
Visita à Central Técnica Chico Giacchieri
Onde: Central Técnica Chico Giacchieri
Endereço: Rua Paschoal Ranieri, 75 – Canindé, região central
Horário: sessões às 10h e às 14h nas quartas, quintas (para grupos de até 50 pessoas) e sextas-feiras
Preço: grátis
Ingressos: agende por e-mail