Sede do governo no centro: risco de “perder” casa surpreende moradores
Moradores e comerciantes do entorno da Praça Princesa Isabel dizem que não foram avisados sobre a possibilidade de desapropriação dos locais
atualizado
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São Paulo – Moradores e comerciantes do entorno da Praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, afirmam que foram pegos de surpresa com o projeto da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) de desapropriar prédios do bairro para a construção da nova sede administrativa do governo estadual.
O projeto prevê demolir edifícios da região para abrir espaço aos novos prédios do governo. Para isso, cinco quadras do bairro Campos Elíseos foram declaradas como de “utilidade pública” no fim de março, no primeiro passo para a futura desapropriação.
“Sinto que estão tratando a gente com total descaso. Não teve diálogo nenhum”, afirma Odair Paulo Tognon, de 49 anos, que mora há 19 anos em um dos prédios que deverão ser derrubados para a revitalização proposta pelo governo.
Ele diz que soube do tema por meio da imprensa, no dia em que o governo lançou o concurso de arquitetura para definir como devem ser as novas construções.
“Abriram um concurso de arquitetura e a gente não sabe nem o que é o projeto. E o nosso direito, como cidadãos, de saber o que está acontecendo? Parece que estão leiloando a nossa vida. Não é só uma moradia, um espaço físico, é a nossa história”, afirma o professor.
A falta de informações sobre o tema tem gerado insegurança na população, mesmo entre aqueles que defendem a revitalização do centro.
“Vai trazer muitos benefícios, mas a gente vai perder o serviço se demolirem o hotel”, afirma Márcio William, de 52 anos, que trabalha há seis anos como auxiliar de serviços gerais em um hotel na Avenida Rio Branco.
Para o professor Francisco Alencar, 58 anos, que mora na avenida há cinco anos, a incerteza sobre como será conduzido o processo atrapalha inclusive a organização das famílias para procurar um novo local.
“É de uma insegurança absurda, a gente não sabe o que vai acontecer. Tem pouco tempo para ir atrás [de um novo lugar] e envolve uma série de questões. Por exemplo, quem vem avaliar o valor?”.
Segundo nota técnica divulgada pelo grupo LabCidade, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), 800 pessoas vivem na área englobada pelo projeto. Entre eles, estão moradores de cortiços que também não foram avisados sobre as possíveis desapropriações.
Comerciantes da região também afirmaram ao Metrópoles que não foram comunicados sobre a futura obra. Alguns deles se assustaram ao receber o telefonema da reportagem perguntando sobre a possibilidade de serem retirados do local.
“Não recebi comunicação de nada. Nenhuma notícia, nem oficial, nem extra oficial, e também não vejo motivo para haver essa mudança”, diz João Hagop, proprietário de uma loja de carros na Rua Helvétia desde 1978.
O estabelecimento fica na quadra 34, uma das atingidas pelo projeto, mas João só soube que poderia ser desapropriado ao ser contatado pelo Metrópoles na última quinta-feira (4/3).
Para a arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, a falta de comunicação é ilegal. Ela afirma que as quadras impactadas envolvem áreas destinadas a projetos de interesse social, as chamadas ZEIS (Zona Especial de Interesse Social), e que toda mudança nestes locais precisa ser discutida antes por um conselho.
“Esse conselho gestor é todo regulamentado. Ele precisa ter a participação dos moradores atuais, da Prefeitura, entidades, especialistas. Antes de anunciar qualquer projeto, tem que ser debatido e definido no âmbito deste conselho gestor”.
Em nota, o governo estadual afirma que a declaração de utilidade pública “não significa que os imóveis serão efetivamente desapropriados, tampouco que isso será feito imediatamente”.
“A construção do novo complexo deve ser feita por meio de uma Parceria Público-Privada (PPP), sendo que as eventuais desapropriações serão de responsabilidade da empresa vencedora do leilão, previsto para ocorrer em 2025. Somente após essa etapa é que o processo de desapropriação será realizado em conformidade com todas as exigências legais”, afirma o texto.
A nota diz ainda que a avaliação dos imóveis selecionados será conduzida “de forma técnica e transparente, de acordo com as normas vigentes e análises de mercado”.
“Maquiagem da Princesa Isabel”
A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) defende a revitalização como uma das formas de recuperar a região central. As cinco quadras mapeadas para o projeto ficam ao redor da Praça Princesa Isabel, que foi tomada pelos dependentes químicos em 2022.
Depois que a Cracolândia saiu do local, se espalhando por outras ruas da região, a praça foi transformada em parque municipal e está cercada por grades.
Para Francisco Alencar, o projeto de levar a sede administrativa do governo para o bairro fará apenas com que os dependentes químicos mudem de bairro.
“É uma propaganda enganosa absurda falar que isso vai acabar com a Cracolândia. Vai empurrar para a Luz, para a Barra Funda, para outro canto”, diz ele, que é contrário ao plano de Tarcísio.
Elis da Silva Araújo, 37 anos, vive na região há 15 anos e apoia o projeto, mas também duvida de que ele represente uma solução definitiva para o problema das cenas abertas de uso de drogas no centro.
“Tem que ser uma obra planejada em todos os sentidos, senão vai ser a ‘maquiagem da Praça Princesa Isabel’, com os dois lados centrais ‘arrumados’ e o entorno continua do mesmo jeito que tá”.
O governo estadual estima um investimento de R$ 4 bilhões para o projeto. O concurso que vai definir como será o novo desenho para a região está com as inscrições abertas até o até o dia 12 de junho, pelo site concursogovspnocentro.org.br. A proposta vencedora receberá R$ 850 mil.
O resultado será publicado no dia 2 de agosto e a expectativa do governo é que o processo licitatório para as obras comece em 2025.