Sarna, convulsões e piolho: refugiados de Guarulhos pedem socorro
Médica voluntária que atua em Guarulhos denuncia falta de atenção da prefeitura com refugiados afegãos; problemas de saúde são comuns
atualizado
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São Paulo – O surto de sarna que atingiu mais de 20 refugiados afegãos no Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, não é o primeiro problema de saúde enfrentado pelo grupo na chegada ao Brasil. A médica intensivista Aretusa Chediak Roquim conta que são comuns casos de piolho, dores de estômago e nas costas, além de crises de ansiedade entre as famílias que ficam acampadas no Terminal 2 à espera de um abrigo. “Existe uma falha gigantesca na assistência a esses refugiados quando eles chegam ao aeroporto”, afirma a médica.
Aretusa é fundadora da ONG Além Fronteiras, Reconstruindo Vidas, criada em parceria com o afegão Moosa Hashimi, e que oferece acolhimento para os refugiados que vêm ao Brasil fugindo do Talibã. Ela diz que os afegãos não recebem visitas de agentes de saúde da Prefeitura de Guarulhos e critica a falta de atenção ao grupo. “Não há [atendimento]. O que tem lá dentro é civil, são ONGs, associações que tentam acolher.”
Segundo a médica, as condições que o grupo de refugiados tem enfrentado ao desembarcar em São Paulo favorecem o aparecimento e a transmissão de doenças. Sem vagas em abrigos, eles dormem no chão e improvisam barracas com cobertores doados. As dores nas costas e no estômago são reflexos da falta de estrutura para o descanso e da alimentação inadequada – e que foge aos costumes afegãos.
O convívio muito próximo e a impossibilidade de higiene pessoal abrem o caminho para patologias como sarna e piolhos. “Não é uma falta de higiene proposital. É condicional. Eles tomam banho quando dá.”
Segundo a médica, o surto de sarna relatado nos últimos dias não é uma novidade. “Não é a primeira vez”, conta. Há mais ou menos um mês, voluntários da ONG levaram um casal com sintomas da doença para uma UBS da região, que confirmou o diagnóstico e receitou ivermectina. “Para essa família, a gente conseguiu fazer essa troca de roupa de cama, levar para banho, falar da troca de roupa íntima”, lembra.
Convulsões
Outro problema, conta Aretusa, é a falta de atendimento para famílias que chegam ao Brasil com doenças mais complexas e que requerem cuidados especiais. Ela lembra do caso de uma menina que tinha epilepsia e passou uma semana sem conseguir vaga em abrigo. “Foram 5 a 8 crises convulsivas.” A voluntária cita ainda outros casos, como pessoas com câncer e tuberculose. Todos, sem exceção, passam pelo processo de espera por vaga. “É ali que acaba o visto humanitário”, afirma Aretusa.
Para ela, é urgente que se ofereça atendimento prioritário para casos de maior vulnerabilidade, além da oferta de equipes de saúde para acompanhar a comunidade afegã enquanto não são disponibilizadas novas vagas em abrigos. Atualmente, 206 pessoas estão acampadas no aeroporto. Todas as 177 vagas para acolhimento de migrantes e refugiados de Guarulhos estão lotadas, segundo a Prefeitura.
Outro lado
Em nota, a Prefeitura de Guarulhos disse que está ao lado dos refugiados “desde o primeiro dia” e afirmou que tem feito todos os esforços para que a população seja bem acolhida. A gestão municipal alega que a Secretaria de Saúde tem realizado semanalmente ações no Aeroporto Internacional de Guarulhos e que distribuiu medicamentos para 165 afegãos depois da confirmação dos casos de sarna.
“As equipes de saúde do município continuam acompanhando o surto e prestando todas as orientações necessárias para a interrupção da cadeia de transmissão, bem como das medidas preventivas para que não surjam novos casos.” Com relação a outras patologias, como dores nas costas e ansiedade, a Prefeitura afirma que os casos podem acontecer eventualmente “sem necessidade de constatação pelos médicos municipais”.
A nota diz ainda que “os pacientes afegãos são muito arredios e grande parte deles nem mesmo aceita passar pela consulta”. A Prefeitura informa que pediu apoio federal para a crise humanitária em Guarulhos. A intenção é reforçar a solicitação de reconhecimento da cidade como fronteira do Brasil e de um maior apoio financeiro para a alimentação daqueles que permanecem no aeroporto aguardando acolhimento.
A Secretaria de Desenvolvimento e Assistência Social está em contato com os governos estadual e federal e também com instituições parceiras buscando vagas para acolhimento, mas no momento não há previsão. Enquanto isso, todos os afegãos no aeroporto recebem três refeições diárias da Prefeitura, além de água e cobertores.