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“Todo chef é metido, pretensioso”, dispara Erick Jacquin

O chef francês Erick Jacquin, jurado do reality show Masterchef, relembra polêmicas e momentos bons e difíceis nos seus 28 anos no Brasil

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Fábio Vieira / Metrópoles
Retrato do chef Erick Jacquin no salão do Ça-Va Café na Avenida Faria Lima, zona sul de São Paulo, na tarde de segunda-feira, 16/1/23.
1 de 1 Retrato do chef Erick Jacquin no salão do Ça-Va Café na Avenida Faria Lima, zona sul de São Paulo, na tarde de segunda-feira, 16/1/23. - Foto: Fábio Vieira / Metrópoles

Não é apenas diante dos concorrentes do reality show Masterchef que o chef francês Erick Jacquin diz o que pensa, seja para aprovar ou criticar (e, por vezes, eliminar) um participante. Nesta entrevista para o Metrópoles, Jacquin relembra com franqueza bons e maus momentos de sua trajetória no Brasil, onde passou a viver em 1995, quando foi convidado para ser o chef do extinto restaurante Le Coq Hardy, em São Paulo.

Fala com saudade do restaurante La Brasserie, que poderia ter sido seu grande sucesso profissional mas que quase o levou à ruína financeira – trabalhou no Café Antique e no Le Vin, entre outros, e atualmente é sócio de seis restaurantes –, e retoma uma polêmica dos tempos duros da pandemia.

Hoje uma celebridade, Erick Jacquin aguarda a temporada 2023 do reality show de gastronomia, que está confirmada com as edições para cozinheiros amadores (MasterChef Brasil), cozinheiros profissionais (MasterChef Profissionais) e cozinheiros 60 + (MasterChef +).

Que balanço você faz da sua vida no Brasil, depois de vinte e oito anos?

Eu vim para ficar apenas três anos e voltar para a França. Quando o Vincenzo Ondei (1929-2020, empresário e fundador do extinto restaurante Le Cog Hardy) foi me buscar lá em Paris, ele falou o seguinte para me convencer: “eu vou mudar tua vida, você vai ser rico”. Ele mudou muito minha vida, com certeza. Mas eu não sou rico, não.

Mas você chegou ao Brasil para trabalhar em um restaurante e acabou se tornando dono de alguns…

Quando eu estava chegando aos 40 anos, falei: “ou abro um restaurante agora ou preciso fazer outra coisa”. Então, abri um restaurante no mês dos meus 40 anos, em 2004, na Rua Bahia (Higienópolis): o La Brasserie, um restaurante maravilhoso. Eu tinha dois sócios, um arquiteto e um grande empresário brasileiro, que me ensinou muita coisa.

De todos os restaurantes em que você trabalhou, ou dos quais foi sócio, é desse que você sente saudades?

Sim, do La Brasserie. Meus dois sócios moravam em Higienópolis e me diziam que não havia um grande restaurante no bairro. Por isso que o restaurante foi aberto lá. Na época tinha o shopping, que estava começando, o Carlota – mas que é um restaurante mais simples, de janela aberta, família, muito consagrado – e o Ici Bistrô, do Benny Novak. Mas agora eu entendo por que o bairro não tinha nada.

Por quê?

Porque não é um bairro comercial. Era um bairro difícil, ninguém passava por lá se tivesse muito trânsito. O restaurante era muito bom mas, no meio do caminho, meus dois sócios se mudaram para os Jardins. Aí eu questionei: “pô, vocês disseram para abrir um restaurante porque não tem nada em Higienópolis e vocês vão morar nos Jardins?”. Até que chegou o momento em que meu sócio empresário saiu da sociedade – numa boa, é meu amigo até hoje – e eu fiquei com o arquiteto. Deixei ele administrar, confiei nele e esse foi o grande erro que fiz na minha vida. Eu me arrependi muito. Nós éramos dois caras, entre parênteses, mais artistas do que businessmen. Eu tinha uma visão das coisas completamente diferente da que tenho hoje. Eu parecia uma criança mimada.

Mas o restaurante fechou por causa disso?

Era mal administrado, com muitos funcionários, gastava mais do que faturava. Era uma operação muito cara, uma confusão total. Até que um cara comprou o imóvel e falou pra mim que a partir daquele momento o valor do aluguel seria três vezes mais alto. Que se eu achasse caro, que pegasse um caminhão, botasse as coisas dentro e fosse embora. Foi uma coisa bem triste de ouvir. E eu disse a ele que havia colocado muita coisa da minha vida lá. O fechamento foi um sofrimento terrível. Tanto é que, até hoje, eu não gosto de passar a Paulista, virar à esquerda para Higienópolis. Não me sinto bem.

E o que você aprendeu com essa experiência?

Foi a faculdade mais cara da minha vida. Porque a merda ficou comigo e com meu sócio. Mas eu acho que sofri muito mais.

Alguma questão de ego interferiu no negócio?

Não. Mas todo chef é metido, pretensioso. Não conheço um que não seja. Você pode ser metido e pretensioso se você souber cozinhar. Porque tem muito chef que não sabe cozinhar p… nenhuma, com ego desse tamanho.

O que é saber cozinhar?

Cozinhar é ter o domínio do fogo, do fogão. A cozinha deve ter cheiro, textura, beleza. O cheiro é muito importante. Porque se cozinhar é um ato, é o único ato que desaparece mas que ainda assim se pode olhar, comer, cheirar e, às vezes, ouvir. Se a comida é um ato, não tem outro igual.

Que avaliação você faz no cenário de gastronomia hoje em São Paulo?

Retrato do chef Erick Jacquin no salão do Ça-Va Café, na Avenida Faria Lima, zona sul de São Paulo, na tarde de segunda-feira (16/1/23)
O chef Erick Jacquin: jurado do Masterchef Brasil e sócio de 6 restaurantes

Hoje há uma evolução muito grande por parte dos clientes. A internet permite que as pessoas conheçam as coisas sem precisar viajar. Elas são mais interessadas em descobrir coisas diferentes. Quando eu cheguei no Brasil, o cliente ia ao restaurante, olhava o cardápio e pedia uma salada de tomate com palmito e cebola. E eu tinha de dizer: “mas eu não tenho isso no restaurante”. Pedia arroz e eu tinha de falar que ele poderia comer arroz na casa dele. Hoje ninguém pede arroz no meu restaurante. É uma prova de que há uma evolução grande. E a profissão de cozinheiro ficou conhecida. Antigamente, se você falasse que era cozinheiro, as pessoas nem conversavam com você. As meninas não te olhavam. Hoje virou do avesso, tem até demais.

E a formação dos cozinheiros como está?

Tem uma escola de gastronomia em cada canto e, o que é pior, que diz que forma chef. Não existe escola de chef. Existe escola de redator-chefe de uma revista? Não. É escola de jornalismo. Eu não fiz a escola de chef, nem de gastronomia. Fiz escola de cozinha, para aprender a base. É por isso que a maioria dos chefs não sabe cozinhar hoje. Eu gostaria de saber quem sabe fazer um assado no forno, sem ser no vácuo. Deixar um assado em um saco de plástico por quinze horas, qualquer um faz. Baixa temperatura não é cozinhar. Eu gostaria de ver que chef sabe fazer um consomê em São: clarificado duas vezes, com a cor brilhante, translúcida, com gosto. Poderia ter um concurso de consomê.

Por falar em concurso, qual sua opinião a respeito dos prêmios de gastronomia hoje, como o World´s 50 Best e o Guia Michelin?

Para começar, essa revista Restaurant (publicação inglesa que criou a premiação anual World’s 50 Best, que colocou o brasileiro A Casa do Porco como o sétimo melhor do mundo) é a pior mentira, um golpe da gastronomia mundial. E o pior é que tem idiota que acredita nesse prêmio. Os ingleses não sabem comer, não sabem o que é comida, não têm cultura em gastronomia e vão falar quais são os melhores restaurantes do mundo? Quem é honesto, que sabe o que é gastronomia, sabe muito bem que aqui no Brasil não tem os melhores restaurantes do mundo. Vou falar da A Casa do Porco, por exemplo. É brincadeira! Tá viajando. É um excelente restaurante, muito bom. Mas que seja um dos melhores do mundo? Pelo amor de Deus!

Hoje você se considera mais um cozinheiro, um empresário ou um profissional da TV?

Sou tudo isso mas minha profissão é cozinheiro. Eu gosto de cozinhar, faço o cardápio de todos os restaurantes. Hoje, por exemplo, eu passei nos seis restaurantes. De manhã eu vim aqui (Ça-Va Café, no Itaim Bibi), fui no Steak Bife (Pinheiros), no Cinq (Itaim Bibi), no Ça-Va (Cerqueira César), passei pelo President (Jardins) e pelo Lvtetia (Jardins). Em cada um deles eu tenho um chef responsável, no fogão, que se reportam a mim. Treino todos eles, treino a equipe de salão.

Você cozinha todo dia?

Não.

Você sente falta de cozinhar?

Muito. Mas você se acostuma. Tudo é uma questão de costume. E quando se chega a uma idade como a minha, vou fazer 60 anos, ficar em pé ao fogão é cansativo.

Recentemente você andou postando alguns comentários políticos no Twitter. Você gosta de política?

Muito. Mas meu pai uma vez me ensinou: “quando você está no comércio, não faz politica”. Hoje eu estava conversando com o Danilo, que é o motorista da família: “que país triste, hein? Você liga a TV agora às 7h, 7h30 da manhã, e que tem para ver? Eu passei por todos os canais e vi assalto, assassinato, pessoa desaparecida, a polêmica do governo, a Globo mostrando os caras quebrando Brasília, um cara de moto assaltando a mulher na porta de casa. Você sai de casa para trabalhar com medo. Não tem nada de bonito, não se mostra nada da Amazônia, algo sobre o agro, um programa que traga um poeta, um artista, que fale que hoje vai estrear um filme brasileiro. Não tem uma informação cultural que mostre que nosso país tem outras coisas.

Você fala “nosso país”, se considera brasileiro?

Considero. Eu voto aqui, sou naturalizado.

Seus amigos e familiares na França têm curiosidade em relação ao Brasil?

Muito. Porque passa muita mentira na TV, os jornalistas de lá são mal-informados sobre o Brasil. Eu ouvi lá que Bolsonaro foi um ditador, que a gente não tinha mais liberdade aqui. O governo Bolsonaro não mudou minha vida, hein? Eu falei tudo o que eu quis, andei por onde quisesse. Eu não sei onde faltou a democracia no tempo do Bolsonaro, nem no do Lula, nem no da Dilma. Aqui no Brasil a democracia vai sempre existir, com qualquer presidente, tá? Agora, sou contra o voto aos 16 anos. Nessa idade, ninguém tem passado. A maioria dos jovens nunca trabalhou, não sabe o que é ganhar dinheiro, depende dos outros. Eu acho que 18 anos é a melhor idade para votar com qualidade. E o voto não poderia ser obrigatório no Brasil. Isso é que é contra a democracia.

Por falar em TV, é possível dizer que o MasterChef foi mais uma mudança em sua vida?

Completamente. Devo tudo à TV, agradeço muito. Todos os jurados devem muito ao programa: a Paola, o Fogaça, a Helena. E o que o Masterchef fez de extraordinário foi a mudança na forma de se comer em casa. Tenho certeza. As pessoas brincam de Masterchef em casa, vão cozinhar, dão nota. Muita gente comprou panela diferente, ingredientes diferentes, por causa do Masterchef.

E você provou muita comida boa no programa?

E muita coisa ruim.

Essa seria a pergunta seguinte…

Os dois. Vou ser gentil: comi mais coisa boa.

E o que você mais gosta de comer?

Eu como um pouquinho de tudo, depende do momento. Não parece mas eu gosto muito de salada, com vinagretes especiais, com óleos especiais. Eu gosto de comer de tudo, comida simples.

O que você come em casa?

Comida simples. Hoje eu comi dois ovos com bacon e uma salada verde.

Da culinária brasileira, o que você gosta de comer?

Gosto de arroz, feijão, farofa – que eu odiava antigamente. Quando cheguei no Brasil, eu não entendia como as pessoas podiam comer farinha. Mas eu tenho que reconhecer, farofa é bom. Um dia eu entendi que a farinha de mandioca vinha da necessidade de encher a barriga e não passar fome. Não é nutritivo mas o cara que misturar o arroz, o feijão e a farofa não vai passar fome naquele dia.

Que impacto a pandemia teve na sua vida?

Graças a Deus não perdi nenhum familiar mas foi realmente uma tristeza, um drama, muita gente perdeu seus parentes e amigos. Não dá para acreditar, sei que fui um privilegiado. Mas a pandemia trouxe algumas mudanças no comportamento das pessoas. Muita gente passou a prestar mais atenção na família. E também disciplinou as pessoas. Se você viaja de avião hoje, tem de aguardar a chamada de sua fileira para se levantar. As pessoas aprenderam a chegar ao restaurante na hora da reserva.

E de que forma impactou nos negócios?

Durante a pandemia, eu reclamei com o João Dória (então governador de São Paulo), com o prefeito (Bruno Covas) que os terraços e calçadas dos restaurantes deveriam ser liberados, para que pudéssemos trabalhar. Ninguém me ouviu, ninguém quis saber. Ao mesmo tempo, durante a pandemia, inventaram de fazer uma rua com terraços, no centro, com patrocinadores e uma socialite, você deve saber quem é (projeto-piloto Ocupa Rua – idealizado pela jornalista Alexandra Forbes e realizado em parceria com a Metro Arquitetos, os chefs Janaína e Jefferson Rueda, da A Casa do Porco, além da prefeitura –, que previa a instalação de parklets na frente de bares e restaurantes de São Paulo; tornou-se o programa Ruas SP, que prevê que estabelecimentos ocupem, com mesas e cadeiras, a faixa de rua destinada a vagas de estacionamento regulamentado. Não aceita novos pedidos desde novembro de 2022). Ela prometeu que todos os restaurantes de São Paulo teriam a mesma coisa. Cadê os terraços hoje? Eu gostaria de saber. Prometer é uma coisa; fazer é outra. Você mora em um castelo em Bordeaux e vem aqui ensinar os outros, o que a gente deve fazer?

Mas é uma ideia boa…

Sim, mas não foi justo, e na pior época, quando estávamos fechados e não podíamos colocar nenhuma mesa na rua e eles fazem os terraços na pandemia?  Na época eu reclamei e me xingaram, mas cadê os outros? Deve ser justo. Eu quero saber quando vão instalar o terraço na frente do Ça-Va.

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