Paixão pela arte levou professor a montar (e exibir) a própria coleção
Com trabalhos de artistas como Tunga e Carmela Gross, parte da coleção dos Chaia está na mostra “Tridimensional: entre o sagrado e estético”
atualizado
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“Nada aqui está à venda”, já alerta o colecionador Miguel Chaia ao entrar na galeria Arte 132. O espaço abre, neste sábado (14/1), a mostra “Tridimensional: entre o sagrado e estético”, que apresenta um recorte específico de objetos tridimensionais da coleção Vera e Miguel Chaia.
“O (Theodor) Adorno diz que o artista, antes de tudo, é um exibicionista. Mas o colecionador também é um exibicionista. Os colecionadores fazem referências entre si. Por que estou mostrando isso aqui? Para mostrar para os outros”, analisa Chaia em entrevista ao Metrópoles.
O convite de apresentar parte de sua coleção partiu do galerista da Arte 132, Telmo Porto. A fim de ter um olhar mais objetivo para o conjunto que gostaria de mostrar, o colecionador convidou os curadores Laura Rago e Gustavo Herz, que foram seus alunos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Para organizar a exposição, o trio partiu do seguinte questionamento: quais são os indícios de sagrado na arte contemporânea? A resposta veio pelos trabalhos de Tunga, José Resende, Carmela Gross, Leda Catunda, Sérgio Romagnolo e muitos outros artistas que Chaia acompanhou a carreira desde o começo.
“Um dos meus critérios para comprar uma obra é ser um artista jovem que produza arte do meu tempo. Geralmente são trabalhos produzidos no ano em que comprei”, diz.
As obras também têm uma escala pequena a média, o que atende ao segundo critério do colecionador: “tem de caber no meu apartamento”. Miguel e sua esposa Vera Lúcia Chaia, também professora na PUC-SP, começaram a colecionar quando ainda namoravam na década de 1970. Hoje, a coleção tem cerca de 900 itens.
O casal começou a comprar obras de arte mais valiosas, como pinturas de Tomie Ohtake e Luiz Paulo Baravelli, incentivado pelos próprios galeristas, que os viam sempre frequentando os espaços para ver exposições. Eles lhes ofereciam descontos e pagamento parcelado.
“É como (Karl) Marx fala: ‘a forma capital interfere na sua cabeça’. Então, a minha cabeça é de um capital menor, de assalariado. A coleção é do tamanho do seu capital e do seu tesão”.
Confira os principais trechos da entrevista.
Qual foi a primeira obra que você comprou?
Foi uma gravura da Maria Bonomi. Mas a minha primeira pintura foi durante uma viagem a Ouro Preto. Eu e minha esposa — na época, namorada —, Vera, vimos uma tela de uma artista popular e nos apaixonamos. O preço da obra significava dois dias de viagem. Pedimos para ele reservar o trabalho para refletirmos por uma noite. Voltamos dois dias antes com o trabalho debaixo do braço. Então a doença já estava lá.
Você diz que tem um dinheiro limitado para fazer suas aquisições, como geralmente faz para comprar trabalhos mais caros?
Lembro de um dia ir à galeria Grifo e encontrar uma pintura da Tomie Ohtake muito parecida com uma gravura que tínhamos dela. O galerista perguntou se eu não queria comprar a pintura. Mas como eu iria comprar uma pintura de Tomie Ohtake? Para mim, financeiramente era impossível. O galerista ligou para a artista e disse: “Tomie, ele é professor e não tem muito dinheiro”. A devolutiva foi que, por ser professor, poderia fazer como fosse melhor para mim. Além de me dar um desconto, poderia parcelar o pagamento. Dessa forma, a Tomie me abriu um mundo, porque descobri que poderia parcelar as compras. Fiquei famoso porque as pessoas sabem que eu vou pedir para dividir. Raramente trato de compra e venda com o artista, faço isso sempre por meio do galerista.
A galerista Luisa Strina diz que existe uma diferença entre a pessoa gostar e comprar. Além da questão financeira, como você seleciona o que comprar para sua coleção?
Um dos meus critérios é ser um artista jovem que produza a arte do meu tempo. Geralmente são trabalhos feitos no ano em que estou comprando. É como (Karl) Marx fala: “a forma capital interfere na sua cabeça”. Então, a minha cabeça é de um capital menor, de assalariado. A coleção é do tamanho do seu capital e do seu tesão. O segundo critério é que a obra tenha um estranhamento, algo que incomode o olhar, que tenha uma certa tragicidade. Comprei um trabalho do André Komatsu que eu não gostei, mas me incomodou profundamente e quis tê-lo. Nunca é pela beleza, mas porque tem uma ideia por trás.
A coleção também é da sua esposa, Vera Chaia, como vocês discutem as escolhas das obras?
Ela me ajuda a discutir. Quando ela acha que é muito estranho, eu insisto. Às vezes é tenso, mas às vezes é legal. É tenso porque ela controla meu ímpeto. Mas ela escolhe também — os trabalhos do Efrain Almeida foram escolhas dela. A Verinha é muito generosa, sabe com quem está lidando (risos).
Colecionar não é um ato isolado, é um ato de compartilhamento.
Você vende alguns trabalhos para comprar outros?
Raramente. Vendi um trabalho da Tomie Ohtake para comprar um segundo apartamento para guardar a coleção. É uma coleção autossustentável. Com raras exceções, o conjunto está integral desde o seu começo. Eu já vendi outros dois trabalhos para pagar uma cirurgia da minha esposa, mas depois consegui comprar novamente um deles.
Como você seleciona o que está no acervo e o que você coloca na sua casa?
Eu faço um rodízio, mexendo a cada três ou quatro meses. Às vezes coloco mais pintura, depois grafite e também gosto de misturar figurativo com abstrato. Cada temporada é um mundo. Eu faço uns testes. Também empresto muitas obras para exposições — uma média de 30 obras por ano. Não apenas para exposições no Brasil, mas também para o exterior. Tem obras que são mais viajadas do que eu.
A coleção é a grande obra do colecionador, mas muitas vezes, depois que o colecionador morre, o conjunto se dispersa. Você já pensou sobre isso?
Eu só penso nisso. Não tenho condições de fazer uma fundação, mas penso em doar para alguma instituição com vínculo com uma universidade, porque sou muito ligado à universidade. Dessa exposição que está em cartaz, eu não quero vender nada. Quero mantê-la assim para passar para algum lugar. Meus filhos pensam assim e a Verinha também.
Qual dica você dá para quem quer começar a colecionar?
Primeiro, tem de perder o medo de visitar museus, galerias e bienais. Tem de ir. Quando sobrar dinheiro, compre uma gravura, um objeto. Colecionar não é uma ação solitária, é preciso compartilhar. Você precisa ter um companheiro ou um amigo que goste. Colecionar não é um ato isolado, é um ato de compartilhamento. O (Theodor) Adorno diz que o artista, antes de tudo, é um exibicionista. Mas o colecionador também é um exibicionista. Os colecionadores fazem muitas referências entre si. Por que estou mostrando isso aqui? Para mostrar para os outros.
Galeria Arte 132: Av. Juriti 132. Seg./sex.: 14h/19h; sáb.: 11h/17h. Site: harte132.com.br. Grátis. Vistas gratuitas com os curadores: 14/1 e 4/2, às 11h30