No MuBE, obras de Liuba Wolf encontram o cenário ideal
A mostra um “Corpo Indomável”, de Liuba Wolf, comemora o centenário da artista, apresentando 200 obras
atualizado
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Em 2019, o arquiteto Paulo Mendes da Rocha (1928–2021) sugeriu ao Museu Brasileiro de Escultura (MuBE) realizar uma exposição de Liuba Wolf (1923–2004), artista búlgara radicada no Brasil nos anos 1950. Quase quatro anos depois, a sugestão saiu do papel com a individual “Corpo Indomável”. A mostra, em comemoração ao centenário da artista, fica em cartaz até domingo (5/2).
Já não era sem tempo. A última grande individual da escultora aconteceu em 1996, na Pinacoteca do Estado de São Paulo. No MuBE, o trabalho de Liuba encontrou o seu melhor lugar. Quem entra no museu pela avenida Europa, zona sul da capital paulista, já se depara com uma série de esculturas enfileiradas em uma pilha de blocos de cimento.
À primeira vista, pode causar estranheza ver aquelas robustas obras em bronze apoiadas sobre a base tão rústica. Basta lembrar, no entanto, que o prédio do museu foi desenhado por Mendes da Rocha — e tudo faz sentido. O uso aparente dos materiais construtivos, como blocos de concreto, é uma das características da arquitetura brutalista, da qual o arquiteto é um expoente e o MuBE, um ícone.
No jardim de sua casa, Liuba também empilhava blocos para construir bases para suas esculturas. A expografia inteligente da exposição relaciona o recurso caseiro da artista à arquitetura do museu ao usar o material. Aliás, Liuba e Mendes da Rocha eram amigos. O arquiteto é autor do projeto da loja de mobiliário Forma, fundada pela artista e seu marido, Ernesto Wolf.
Da Bulgária para o Brasil
Liuba nasceu na Bulgária em 1923. Aos 20 anos, mudou-se com a família para Suíça, onde iniciou o curso de artes plásticas na Escola de Belas Artes de Genebra. Entre os anos de 1944 e 1945, conhece a artista francesa Germaine Richier (1902 – 1959), com quem estudou escultura.
Um ano antes de mudar com a família para o Brasil, em 1948, viajou para o Egito em companhia de Richier e de outras alunas da artista. A viagem teve grande impacto sobre a produção, especialmente na criação de um vocabulário imagético próprio. Aplicou-se em realizar esculturas mais abstratas, que lembram hieroglifos, e outras, mais figurativas, que refletem a estética egípcia com figuras em poses angulosas.
A retrospectiva apresenta o percurso da artista. No começo de sua carreira, cria obras figurativas, com destaques para figura humana, com influência clara de Richier. A partir dos anos 1960, apresenta uma importante mudança formal. Aproximando-se da abstração, trabalha com formas mais orgânicas e modela seres que habitam na fresta entre o real e o surreal.
A mostra também apresenta desenhos e gravuras. Entre obras gráficas e esculturas, estão em exposição 200 itens que contemplam um arco temporal de 50 anos, indo dos bustos dos anos 1940 até seus últimos trabalhos, da década de 1990. Uma oportunidade rara, pois a maioria das peças pertence a coleções particulares.
Entre modernos e concretos
A artista está entre as pioneiras do pequeno grupo de escultoras modernas brasileiras, ao lado de Maria Martins (1894–1973) e Felícia Leiner (1904–1996). Alguns de seus trabalhos abstratos, no entanto, apresentam pontos de contato com a arte concreta.
No jardim do museu, ver sua obra próxima de esculturas do artista mineiro Amílcar de Castro (1920–2002), mestre em criar obras tridimensionais realizadas apenas com dois gestos — o corte e a dobra —, faz o espectador imediatamente relacionar peças mais abstratas às do concretista. Em seus relevos, Liuba mostra que também entendia de corte, dobra, vazio e volume.
É nas esculturas figurativas, porém, que seu trabalho ganha mais força. A imagem de um pássaro foi um dos assuntos mais perseguidos pela escultora. O trabalho escultórico de Liuba impressiona pela densidade e presença das aves robustas, que também inspiram uma certa leveza, equilíbrio e movimento. Os pássaros gritam, ameaçam alçar voo e parecem estar sempre para prontos para o ataque. Aves ariscas que reivindicam não ficar mais tanto longe dos olhos do público.
MUBE: Rua Alemanha, 221, Jardim Europa. Ter./dom.: 11h/17h. site: mube.space. Grátis. Até 5/2.