Museu das Favelas é inaugurado hoje em São Paulo
O objetivo da instituição é preservar e fomentar a produção artística, a cultura e a economia das favelas brasileiras
atualizado
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O que guardam os palácios? Móveis, joias e objetos da monarquia e de famílias aristocratas? Em São Paulo, o Palácio dos Campos Elíseos, que foi residência do fazendeiro Elias Pacheco e Chaves, membro da oligarquia cafeeira paulista, teve um destino, no mínimo, inusitado. O Palácio abre as portas hoje como Museu das Favelas.
“Estar localizado aqui é o maior ato antirracista”, afirma Carla Zulu, diretora de relações institucionais, ao Metrópoles. “Foi um palácio construído no século XIX por pessoas negras – se não escravizadas recém-libertas. É um ato de devolução desse espaço aos descendentes de quem trabalhou nessa construção.”
Assim como o Museu da Língua Portuguesa e o do Futebol, a instituição não terá um acervo físico – pelo menos por enquanto. Mas manterá um Centro de Memória e Referência com o objetivo de preservar de maneira virtual, documental e bibliográfica a memória e a produção artística das comunidades periféricas produzidas tanto dentro quanto fora do museu.
Essa premissa de conservação de um patrimônio cultural é o que dá à nova instituição a classificação de “museu”. O espaço, entretanto, vai ter uma dinâmica de cursos e eventos mais parecida com a de centro cultural.
“Não vai ser museu de arte, é um museu de vivência. É um lugar de reconhecimento. Vamos falar sempre de preservação e guarda da cultura periférica, mas principalmente de pertencimento, agenciamento e empoderamento. Esses são nossos pilares”, resume Carla.
Revelando contrastes
Embora seja inaugurado hoje (25/11) e aberto ao público amanhã (26/11), algumas áreas do museu ainda não estão prontas – caso da exposição permanente que deve ocupar o segundo andar. Mas os visitantes podem conferir a mostra temporária “Favela-Raiz”, que traz obras de artistas negros e periféricos feitas em parcerias com projetos comunitários. Os trabalhos criam fricções com a história e a arquitetura do palácio.
Logo na entrada, no jardim, está a instalação “Corte Seco”, de Paulo Nazareth, em homenagem à historiadora e poeta Maria Beatriz Nascimento. A escultura de alumínio de seis metros de altura faz um contraponto ao pequeno busto de um jovem homem branco vestido com trajes de bispo que está instalado ao lado.
Em colaboração com mulheres do Coletivo Tem Sentimento e da Cooperativa Sin Fronteras, projetos da vizinhança do museu, a artista Lidia Lisboa revestiu as colunas do hall do palácio com capas crochê. E utilizando a mesma técnica fez uma grande escultura de tecido presa no teto que dialoga com os lustres do local.
No Salão de Espelhos, está a obra sonora do rapper Kayode, que exalta os diferentes modos de se pensar a beleza. Em outro espaço, está a instalação audiovisual “Visão Periférica”, que projeta nos ornamentos rococós da decoração do palácio, imagens de 20 fotógrafos e produtores de conteúdos de diferentes periferias do Brasil.
A periferia no Centro
O endereço do museu parece estar distante da realidade das periferias. Mas há um esforço para que a instituição conecte o Centro às comunidades. Começando pelos próprios funcionários: 90% da equipe, se não mora em comunidades, nasceu em uma. A própria coordenadora de relações institucionais nasceu na periferia de Diadema, região metropolitana de São Paulo.
“Todos os nossos fornecedores são negros e/ou favelizados. Nosso objetivo é alavancar os negócios periféricos”, explica Carla. Até para a contratação de empresas de serviços terceirizados é dada a preferência para negócios da periferia.
Segundo levantamento do Instituto Locomotiva, R$ 119 bilhões são movimentados por ano nas comunidades. Esse dado, segundo Carla, justifica o museu ter ações voltadas ao empreendedorismo.
“Temos que preservar e aumentar essa movimentação. Mas não vamos fazer isso apenas mostrando o que é produzido nas favelas. Precisamos incentivar os negócios”, diz.
Dentro do museu vai funcionar o Centro de Formação, Trabalho, Renda e Empreendedorismo, chamado de Corre, que oferecerá cursos gratuitos. Os primeiros, que já estão com inscrições abertas, são Produção Musical, Produção Cultural, Noções de Contabilidade e Front-End.
Outra ação, para que o espaço seja frequentado por moradores das comunidades mais distantes, é o fornecimento de transporte gratuito a partir de agendamento de grupos por e-mail (agendamento@museudasfavelas.org.br). A programação do espaço também está sendo construída em diálogo com moradores das comunidades para atender aos interesses e necessidade desse público.
“Queremos que as pessoas venham até aqui se vejam e entendam que esse é um espaço de acolhimento e reconhecimento”, conclui.
Confira a programação de inauguração para o fim de semana:
Praia Literária – intervenção que ocupa espaços com muitas brincadeiras de verão, piscina de bolinhas, bolinha de sabão, túnel e uma cesta de livros pop-ups para divertir as crianças.
Sáb. e dom.: 9h/12h.
Prática de Kemet Yoga
Sáb.: 10h; dom.: 17h
Aulão de funk com Renata Prado
Sáb. e dom.: 11h.
Apresentação de DJ Vivian Marques
Sáb.: 12h e 17h
Exibição do filme Orí, seguido de debate com Oswaldo Faustino & Lenny Blue
Sáb.: 14h
Contação de Histórias para crianças e adultos, com Beatriz Barros
Dom.: 15h30
Museu das Favelas: Rua Guaianases, 1024 – Campos Elíseos. Ter.:/dom.: 9h/17h. Grátis. Site: museudasfavelas.org.br.