Ianelli volta para casa: MAM-SP abre grande retrospectiva do artista
A mostra apresenta 98 trabalhos e celebra os 100 de Arcângelo Ianelli, que teve uma longa e intensa relação com o museu
atualizado
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Em comemoração aos 100 do pintor Arcângelo Ianelli (1922–2009), seus filhos Katia e Rubens Ianelli convidaram a curadora Denise Mattar para organizar uma grande retrospectiva do artista. À curadora, fizeram um pedido: “nosso pai ficaria muito feliz se a exposição acontecesse no Museu de Arte Moderna de São Paulo”. Depois de 45 anos da última individual do artista na instituição, ele volta em grande estilo ao MAM-SP com a mostra “Ianelli 100 anos”, que abre nesta terça-feira (14/2).
A primeira exposição individual do pintor no MAM aconteceu em 1961. A partir de 1969, participou de seis edições do Panorama de Pintura, sendo premiado em 1973. Em 1978, sua retrospectiva no museu reuniu mais 160 obras e recebeu o prêmio de melhor exposição do ano pela Associação Brasileira dos Críticos de Arte (ABCA). Neste ano, o MAM comemora seus 75 anos e a exposição faz parte da celebração.
A atual mostra reúne 98 obras — muitas delas fazem parte de coleções privadas ou ainda estão no acervo da família e, por isso, são pouco conhecidas do grande público. A exposição é generosa e apresenta toda a trajetória de Ianelli, das primeiras pequenas telas figurativas às grandes pinturas abstratas com densas nebulosas de cor. Segundo os filhos, é uma apresentação da produção do artista para novas gerações que o conhecem pouco ainda.
Espiral do tempo
Em vez de uma tradicional mostra com cronologia linear, a curadora Denise Mattar mostra o percurso de Ianelli em uma espiral, apresentando pontos de contato entre trabalhos de diferentes períodos. Em entrevista ao Metrópoles, a curadora conta que, ao pesquisar a obra do artista, percebeu uma coerência em seu percurso:
“Nos trabalhos de 1950, você vê o artista dos anos 2000. Então, resolvi fazer uma montagem que ajudasse o visitante a fazer interconexões.”
A mostra começa com trabalhos dos anos 1970 e 80, um conjunto de telas brancas com pinturas esfumaçadas com uma linha evidente que delimita a área de cor. A linha é o primeiro fio condutor aparente.
O risco fino se apresenta nos primeiros trabalhos dedicados à abstração geométrica, dos anos 1960; ganha profundidade nas sombras dos relevos e nos cortes das esculturas dos anos 1970; e fica mais presentes no contorno dos trabalhos figurativos dos anos 1950.
Variações de tema
Ao encontrar as paisagens marinhas e as cenas do interior da vida doméstica, dos anos 1950, o visitante se surpreende ao perceber mais um ponto de contato entre as obras de períodos distintos. Em toda a sua produção, Ianelli perseguiu a mesma paleta de cor e a mesma luz, variando apenas o seu tema.
Em suas esculturas, espalhadas pelas salas entre as pinturas, nota-se que o artista trabalhou as variações das formas geométricas usadas nas telas nos trabalhos tridimensionais. No fim de sua carreira, no começo dos anos 2000, Ianelli fez reproduções de algumas pinturas com cartões coloridos dando volume aos blocos de cor.
A exposição é didática. Além de um simulacro do ateliê do artista, apresenta seus rascunhos e maquetes preparatórias para as obras, o que mostra um artista extremamente rigoroso em seu processo.
Antes de passar a imagem desejada para a tela ou para o mármore, Ianelli fazia uma série de estudos com giz pastel, recortes de papel colorido, isopor, madeira e metal. Tudo era minuciosamente estudado.
Rothko brasileiro
A exposição termina com um conjunto de obras de grandes dimensões, feitas entre os anos 1980 e 1990, quando a linha desaparece e a cor toma conta da tela — as quais Denise Mattar chama de trabalhos imersivos.
As camadas muito finas de tinta, quase transparentes, criam profundidade na pintura que, sem as linhas de contenção, transbordam. É convite a um mergulho nas profundezas da cor — a sala tem até um banco para que o visitante se abandone em frente à pintura.
Essas telas flertam com as do norte-americano Mark Rothko (1903-1970). Um caminho que o importante crítico italiano Giulio Carlo Argan (1909-1992) notou no artista em 1966. Argan conheceu Ianelli na Itália, para onde o brasileiro viajou graças ao Prêmio de Viagem ao Exterior do Salão Nacional de Arte Moderna, em 1964. Para o folder de uma exposição individual de Ianelli realizada na Embaixada do Brasil em Munique, Alemanha, Argan escreveu:
“Da pintura de Rothko, Ianelli reconhece, com razão e absoluta franqueza, o ponto de chegada do desenvolvimento histórico da representação do espaço mediante relações colorísticas qualitativas e quantitativas.”
No texto, Argan pondera que “Ianelli substitui a referência a uma tradição estética essencialmente oriental de Rothko pela referência a uma tradição estética ocidental e especificamente italiana”. Mas a mostra deixa claro que Ianelli sempre soube que o seu caminho não era ser devoto de nenhuma estética, mas sim, da luz.
Museu de Arte Moderna: Av. Pedro Álvares Cabral, s/n° – Vila Mariana. Ter./dom.: 10h/17h30. Ingresso: R$ 25 (dom.: grátis). Site: mam.org.br. Até 14 de maio.